12/02/2012 – Jovens aliciados na região Nordeste se prostituem como travestis em SP

12 de fevereiro, 2012

(O Globo) O governo Federal montará uma força-tarefa e abrirá inquérito para investigar a rede de tráfico que alicia adolescentes nas regiões Norte e Nordeste para serem transformados em transexuais e se prostituírem em São Paulo e na Europa, como denunciou reportagem do GLOBO no domingo. A decisão foi tomada ontem pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e pela secretária Nacional dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que amanhã se reunirão em Brasília com representantes de Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público de São Paulo e Ministério Público Federal

(O Globo) Magra, cabelos compridos, short curto. M., 16 anos, abre o sorriso leve e ingênuo dos adolescentes quando perguntada se pode dar entrevista. Poderia ser uma das milhares de meninas que sonham com as passarelas. Mas não é. O relógio marca 1h de sexta-feira. M. é um garoto e está na calçada, numa das travessas da Avenida Indianópolis, conhecido ponto de prostituição de travestis e transexuais, escancarado em meio a casas de alto padrão do Planalto Paulista, na Zona Sul de São Paulo. A poucos passos, mais perto da esquina, está K., também de 16 anos.

— Sou muito feminina. Não tem como não ser mulher 24 horas por dia — diz K.

M. e K. são a ponta do novelo que transformou São Paulo num centro de tráfico de adolescentes nos últimos cinco anos. Meninos a partir de 14 anos são aliciados no Ceará, no Rio Grande do Norte e no Piauí e, aos poucos, são transformados em mulheres para se prostituírem nas ruas de São Paulo e em países da Europa. Misturados a travestis maiores de idade, eles são distribuídos em três pontos tradicionais de prostituição transexual em São Paulo: além da Indianópolis, são encaminhados para a região da Avenida Cruzeiro do Sul, na Zona Norte, e Avenida Industrial, em Santo André, no ABC paulista.

O primeiro contato é feito por meio de redes de relacionamento na internet. Uma simples busca por “casas de cafetina” leva os garotos a perfis de aliciadores, que são homens, mulheres e travestis. Após o primeiro contato, pedem que o adolescente encaminhe uma foto por e-mail, para que seja avaliado. Se for considerado interessante e “feminino”, eles têm a passagem paga pelos aliciadores. Ao chegar a São Paulo, passam a morar em repúblicas de transexuais e a serem transformados. Recebem inicialmente megahair e hormônios femininos. Quando começam a faturar mais com os programas nas ruas, vem a oferta de prótese de silicone nos seios. Os escolhidos para ir à Europa chegam a ser “transformados” em tempo recorde, apenas cinco meses, para não perder a temporada na zona do euro.

É fácil identificar os adolescentes recém-chegados. Além do corpo típico da idade, eles têm seios pequenos, produzidos por injeção de hormônios, e megahair. Testados inicialmente na periferia, os meninos são distribuídos nos pontos de prostituição de acordo com a aparência. Os considerados mais bonitos recebem investimento mais alto e vão trabalhar na área nobre da cidade. Na Avenida Indianópolis, recebem R$ 70 por um programa no drive in e R$ 100 se o programa for em motel. Nos outros dois endereços, o valor é bem mais baixo: entre R$ 30 e R$ 50 no drive in e R$ 70 a R$ 80 em motel.

Menores evitam ruas principais

Não faltam interessados. A partir de 17h, homens na faixa de 30 a 50 anos aproveitam o fim do expediente para, antes de seguir para casa, fazer programas rápidos com os transexuais na Indianópolis. Um furgão preto, com insulfilme, faz o transporte de vários transexuais. Mas, nesse horário de maior movimento, dificilmente os menores ficam à vista nas calçadas.

Por existirem há décadas, os pontos de prostituição de travestis são vistos com naturalidade pelos moradores de São Paulo. Afinal, se prostituir não é crime. Por isso, a rede criminosa se mistura aos transexuais mais antigos. Assim como eles recebem a proteção da Polícia Militar para não serem agredidos por grupos homofóbicos, os novos fios do novelo se entrelaçam, dando à rede de tráfico internacional de adolescentes o mesmo aparato de segurança e legalidade que é dado aos transexuais ditos “independentes”.

Em geral, os transexuais adolescentes ficam nas travessas, atrás dos grupos de maiores de idade, que ficam quase nus e são extremamente expansivos. Pacíficos, os dois grupos convivem bem com a vizinhança, exceto pelo constrangimento proporcionado pelos mais velhos (acima de 25 anos) sem roupa ou exibindo partes íntimas ou siliconadas.

Os adolescentes são mais discretos, menos siliconados e “montados”. A aparência de menina é mais natural. Os implantes de silicone nos seios são menores, num apelo direcionado aos pedófilos. Eles usam saias e shorts curtinhos, como M. e K., e podem ser facilmente confundidos com meninas.

Como na Indianópolis prostitutas e travestis dividem espaço, clientes são surpreendidos pela nova leva de jovens vindos de outros estados, de aparência cada vez menos óbvia.

Y., 19 anos, é um dos transexuais que fazem aumentar a confusão. Aos 15, foi levado a São Paulo pela rede de prostituição e pedofilia.

— A cafetina viu que eu era feminina e que ganharia muito dinheiro. Minha mãe assinou autorização para eu viajar, e vim de avião. Ficou preocupada, como toda mãe, mas deixou — conta.

Inicialmente, foi levado a trabalhar na Avenida Industrial, em Santo André, no ABC paulista. Pagava R$ 20 pela diária na república, sem almoço.

— Quem não tivesse os R$ 20 tinha de voltar para a rua, não entrava enquanto não conseguisse — diz ele.

Mesmo sem ter sido transformada, já chamava atenção. Logo começou a faturar R$ 250 por dia. Aos 16 anos, recebeu “financiamento” para colocar prótese de silicone no seio. O implante foi feito por cirurgião plástico. Custou R$ 4 mil, mas Y. teve de pagar R$ 8 mil à cafetina, pois não tinha dinheiro para quitar à vista.

Y. diz que aceitou porque queria ficar feminina logo. Neste mercado, os seios são vistos como principal atributo. Quanto mais aparência de mulher, mais os clientes pagam. Agora, a jovem mora sozinha num flat e paga seu aluguel. Diz que divide o espaço da avenida tranquilamente e já não deve nada a ninguém. Faz entre seis e 10 programas por noite, afirma, enquanto lança olhares às dezenas de carros que passam rente à calçada, não se sabe se por curiosidade ou atração fatal.

Acesse o pdf: Meninos são aliciados para virar transexuais em SP (O Globo – 12/02/2012)
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(O Globo) O promotor da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo, Thales de Oliveira, afirmou que investigações feitas pela polícia paulista sobre a rede de tráfico de adolescentes indicam que o comando da quadrilha estaria no Nordeste do país. Segundo ele, o avanço das investigações depende de um trabalho conjunto.
— Já há investigações em andamento também no Pará e no Ceará — afirmou.
Oliveira diz que adolescentes trazidos de outros estados, que receberam próteses de silicone e hormônios para se tornarem transexuais, se arrependeram do que fizeram como próprio corpo e falaram sobre o esquema.
— Eles são atraídos com a promessa de ganhar R$ 1 mil, R$ 2 mil por dia em São Paulo. Como são muito jovens e, por necessidade, não pensam — afirma.
Perguntado se a polícia não deveria agir para impedir a prostituição de adolescentes da capital paulista, exigindo documentos e retirando menores, o promotor diz que sim, mas que o MP não pode requisitar operações deste tipo:
— O Ministério Público não pode mandar ofício pedindo que autoridades cumpram seu papel. As autoridades sabem onde e como desempenhar suas atividades.
O ideal, segundo Oliveira, seria a criação de um grupo multidisciplinar em São Paulo, envolvendo polícia, Justiça, Ministério Público e órgãos de promoção social para combater a rede de prostituição de adolescentes. Além disso, é preciso aumentar o intercâmbio de informações com os estados de origem dos garotos. O promotor disse que ações no Autorama, no Parque do Ibirapuera, onde existe prostituição de adolescentes do sexo masculino, são “complicadas”.
— Ações policiais no Autorama, área de proteção da diversidade sexual, geram protestos de entidades ligadas ao público GLBT, que as encaram como patrulhamento sexual.
Para o secretário para América Latina e Caribe da International Lesbian and Gay Association, Beto de Jesus, qualquer tipo de violação ou exploração sexual, seja contra homens, mulheres, héteros ou homossexuais, maiores ou menores de idade, deve ser investigada e combatida com rigor da lei.
— Não toleramos exploração sexual de menores ou maiores de idade, tráfico de pessoas ou pedofilia. Denunciamos estas ações criminosas — afirma Jesus.
Para Jesus, há preconceito “nas entrelinhas” quando se fala em dificuldade para ações policiais no Ibirapuera, pois apontaria uma suposta “permissividade” nos grupos homossexuais, que não existe. Ele é contra, porém, ações repressivas no Autorama, com policiais, e sugere a presença de educadores que possam detectar e denunciar casos de exploração ou violação de direitos humanos.

Leia em PDF: Tráfico de jovens e adolescentes teria comando no Nordeste (O Globo – 13/02/2012)

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