Sobrevivente de um estupro coletivo, escritora indiana lançou best-seller sobre o crime e compilou sugestões para ajudar as vítimas
(Veja, 19/05/2019 – acesse no site de origem)
85% das mulheres do país têm medo de serem vítimas de estupro, de acordo com uma pesquisa Datafolha de 2016, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para piorar, 33,3% da população brasileira acredita que a vítima é culpada, e 42% dos homens dizem que mulheres que se dão ao respeito não são estupradas.
Os números refletem a cultura do estupro. De acordo com as Nações Unidas, o termo é usado para “a sociedade que culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens”.
No Brasil, 164 casos de estupro foram registrados por dia em 2017. Apenas no Rio de Janeiro, mais de 4 500 mulheres foram violentadas no ano passado. Estima-se que somente 10% dos crimes de estupro sejam notificados.
Como se o trauma já não fosse horrível o bastante, conviver com ele pode se tornar uma continuação da tortura. A mulher é julgada, questionada e considerada culpada por ter “se colocado” naquela situação. Há casos em que as mulheres, vítimas, cometeram suicídio por não conseguirem lidar com a dor e com a pressão social.
A escritora indiana Sohaila Abdulali, que sobreviveu a um estupro coletivo na Índia quando tinha 17 anos, escreveu o best-seller Do que estamos falando quando falamos sobre estupro. Em entrevista a VEJA, Sohaila descreveu a situação que viveu como um estupro de Bollywood (uma espécie de Hollywood na Índia), com violência, homens agressivos e ameaças de morte. Mas, no dia a dia, os casos mais comuns são aqueles causados por parceiros. “Não acredito que todos os homens sejam capazes de estuprar. Para soldados, que usam o abuso como crime de guerra, pode ser parte de uma função. Em um relacionamento, pode ser parte da dinâmica, da vontade de ter sexo. O que eu sei é que é uma escolha. Não é algo natural, não é algo que os homens não podem evitar, como se fosse um impulso biológico. Eles podem evitar sim. Eles conseguem se controlar”, afirmou.
Outro ponto que Sohaila destaca em seu livro é sobre reconhecer o consenso e a necessidade de discutir o termo com os jovens, como parte da educação sexual. “Não existe uma justificativa de ‘já estávamos pelados’, ‘ela tinha falado que sim’, etc. Qualquer um dos envolvidos na relação sexual pode desistir a qualquer momento. O estupro é um crime de oportunidade, e ela é mais frequente em um relacionamento. Pense em outra dinâmica social da vida, como um jantar. Se você expressar com o corpo que está satisfeito, as pessoas ao seu redor sabem interpretar esses sinais. Por que é diferente com o sexo? Por que não conseguimos admitir que uma mulher fecha o corpo, faz sinais corporais, se expressa com gestos, dizendo que ela não quer mais? Cabe ao homem respeitar a vontade dela e não usar a força para se satisfazer. O sexo seria muito mais sensual se fosse pelo prazer das duas pessoas, e não só pelo prazer do homem”, disse a VEJA.
Infelizmente, estupros continuam acontecendo todos os dias. Mesmo com o lançamento do best-seller, a autora diz que não há nada que comprove que um estupro deixou de acontecer por causa de seu livro ou dos movimentos a favor dos direitos das mulheres. Então, em um dos capítulos do livro, Como salvar a vida de uma sobrevivente de estupro, a autora dá dicas simples sobre como lidar com uma vitima desse crime sem piorar a situação.
Veja a seguir:
- Mostre-se horrorizado, mas não a ponto de a outra pessoa (a vítima) ter que cuidar de você;
- Acredite nela. Nada de perguntar “e se…”, ou de discordar, ou duvidar;
- Deixe que ela tome a iniciativa. Se ela quiser falar, tudo bem. O mesmo vale caso ela queira ficar calada, chorar, fazer piadas ou atirar coisas contra a parede;
- Pergunte o que você pode fazer para ajudá-la e o que ela quer;
- Incentive-a a procurar todos os tipos de ajuda: médica, legal, física e mental, mas não force isso;
- Não insista para saber detalhes. Deixe-a saber que você está disponível a ouvir se ela quiser explicar melhor;
- Não questione os julgamentos que ela fizer;
- Deixe que ela elabore do jeito que quiser, com as palavras que ela escolher;
- Não tente entender ou analisar. Simplesmente esteja disponível;
- Lembre-se que esta é a mesma pessoa que você conheceu antes de saber que havia sido estuprada. Trate-a do mesmo jeito. Algo terrível aconteceu a ela, mas ela é a mesma pessoa. Talvez ela precise ser lembrada disso;
- E, por fim, mas não menos importante: não seja babaca.
Jennifer Ann Thomas