Pesquisa inédita revela que meninas são sexualizadas e silenciadas no ambiente escolar, em um cenário de assédio a seus corpos, bullying e falta de proteção
Comentários sobre a aparência, avaliações sobre seus corpos, xingamentos e toques sem consentimento. É comum que meninas sejam assediadas também nas escolas por colegas meninos, funcionários e professores homens. Foi o que concluiu a pesquisa nacional “Livres para sonhar?”, da organização Serenas, que atua na prevenção das violências de gênero.
“Meninos falam do seu corpo, do seu peito, da sua bunda. Falam na cara, é muito constrangedor. Na cabeça deles é brincadeira, mas é violento” – estudante do 2º ano do ensino médio, do centro-oeste.
Entre os mais de 1.400 depoimentos de pessoas de comunidades escolares em todo o Brasil, as alunas afirmaram que sentem um desconforto constante, medo e descrença na efetividade das denúncias.
“Ficar sabendo que você está sendo chamada de vagabunda na sua própria sala dói. Eu não falei com a direção porque é perda de tempo, nunca aconteceu nada. Vai gastar tempo, mente, vai me corroer, então prefiro guardar isso para mim” – estudante do 1º ano do ensino médio, do sudeste.
A cultura de violência contra meninas pode culminar em eventos extremos, como a escalada de ódio e casos de feminicídio. Só este ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública registrou 1.075 assassinatos de mulheres.
Escolas reproduzem a cultura da violência contra as mulheres
Na pesquisa, sete em cada 10 professores afirmaram que já viram suas alunas em situações de sexualização e de cantadas indesejadas. Além disso, 45% deles ouviram alguma vez uma menina ser chamada de “vagabunda” ou “vadia” e 10% disseram que xingamentos acontecem todos os dias.
Para Amanda Sadalla, diretora executiva da Serenas, “a escola manifesta padrões machistas, racistas e LGBTfóbicos tanto nos comportamentos dos meninos quanto nos dos próprios professores”.
Segundo ela, o título “Livres para sonhar?” é uma provocação: como as meninas podem ser livres se seguem reféns de múltiplas violências? Ou seja, até mesmo nas escolas, onde deveriam estar protegidas e em pleno desenvolvimento, elas sofrem assédios.
De onde vem a violência de gênero nas escolas?
A radicalização do comportamento dos meninos e a objetificação da figura feminina, consequências impulsionadas pelo machismo, justificam a raiz da violência de gênero, conforme aponta Adriana Dias, pesquisadora sobre educação, mulheres e relações de gênero da UFMA (Universidade Federal do Maranhão). “Essas violências estão engendradas nas normas sociais de gênero, construídas nas relações de poder sustentadas pelo sistema patriarcal, histórico e cultural.”
Quando o cenário é a escola, Adriana afirma que existem lacunas na formação de professores e nos protocolos de proteção e enfrentamento. “Isso ajuda a silenciar o problema porque ainda há um tabu com relação aos temas de gênero e sexualidade nas práticas pedagógicas e educativas.”
A pesquisa imprime as duas faces dessa origem: ao mesmo tempo em que os meninos se acostumam a assediar e a objetificar as meninas, elas percebem e se sentem mal. Isso se confirma entre os professores: 42% deles relataram que já viram meninos tocando e acariciando o corpo de meninas de maneira desrespeitosa.
Outro dado alarmante é que 43% afirmam saber de episódios em que os alunos compartilharam e divulgaram imagens ou vídeos íntimos de alguma menina.
“Os meninos já manifestam padrões machistas contra as meninas”, analisa Amanda Sadalla. “Eles reproduzem o que observam de outros meninos, de homens adultos, na mídia e na pornografia. São comportamentos que aprendem como se fossem o jeito ‘natural’ de ser homem.”
Em uma das escolas, por exemplo, os meninos participavam de um grupo de WhatsApp onde disputavam “quem beijava mais meninas”. Entre as regras, havia pontuações diferentes para cada perfil de menina conquistada.
Assédio de professores homens também é comum
“Tem professor que força com as alunas, dá para perceber. Eles nem disfarçam. A maioria faz. Meio que normalizou essa ‘parada’”, contou um aluno do 9º ano do sudeste. Entre os depoimentos, os estudantes disseram que professores homens assediam as meninas em sala de aula e não são punidos. “O professor sempre vai ter a palavra superior ao aluno. Se a gente não conseguir provar, nem vai levar pra frente”, disse outro aluno do 9º ano do sudeste.
As principais denúncias dos estudantes contra os professores envolvem comportamentos abusivos, que vão desde olhares invasivos e comentários constrangedores, até toques e contatos físicos. “Teve uma parada estranha, o professor pediu para a menina pegar a carteira no bolso dele.”
Segundo a pesquisa, os adolescentes percebem esses episódios como frequentes e falam em “impunidade” e “sentimento de vulnerabilidade”. Entre os docentes que participaram do estudo, 51% já ouviram colegas fazerem comentários machistas sobre o corpo de alunas. “Professores homens reproduzem comportamentos machistas contra as estudantes e reforçam a ideia de superioridade masculina”, aponta Amanda Sadalla.