Armas de fogo com maior potência, liberadas pelo governo, têm sido usadas em crimes
Faltavam poucas horas para o início do ano de 2022, quando o engenheiro Reges Amauri Krucinski saiu para a área externa da casa no bairro Vilage, em Porto Seguro. Era 31 de dezembro e ele havia acabado de matar a tiros sua esposa, J., na casa em que estava com a família — e onde havia três crianças. Atrás de Krucinski, foi sua filha de 14 anos, que tirou a arma das suas mãos e, com o auxílio de um pano, colocou o instrumento do crime no forno da casa.
Enquadrado pela polícia como feminicídio, o crime ocorreu no Revéillon do ano passado na Bahia, e foi um dos sete eventos com essa característica ocorridos no país naquela noite. O assassino foi preso em flagrante e segue preso. O processo, ao qual a Agência Pública teve acesso, se encontra no final da fase de instrução e o próximo passo será a decisão do juiz sobre levar o caso a júri popular.
Na casa onde ocorreu o crime, a polícia encontrou uma pistola calibre .380 ACP — a arma do crime —, um revólver de calibre 357 Magnum e uma espingarda calibre 12, além de um abafador de tiros e uma “substanciosa quantidade” de munições, como descreveu o Ministério Público da Bahia em sua denúncia.
O caso de J. é emblemático pelas armas que foram usadas para ceifar sua vida. Até maio de 2019, atiradores civis como Krucinski, que possuía registro de CAC (caçador, atirador desportivo e colecionador) junto ao Exército, não poderiam adquirir nenhuma dessas armas legalmente.
Isso mudou com um decreto de Bolsonaro de maio de 2019, que redefiniu como armas de uso permitido aquelas cuja energia cinética de disparo não supere 1.620 joules. O limite anterior era menos da metade, fixado em 407 joules.
Atendendo ao decreto de Bolsonaro, o Comando do Exército, órgão que regulamenta quais armas são de uso restrito às Forças Armadas e quais armas são de uso permitido para civis com autorização, editou uma portaria listando os novos calibres permitidos.
Armas de calibres mais altos, como as que foram liberadas para civis pelos decretos, têm maior potência e maior precisão, o que eleva o risco e a letalidade.
“Não à toa, as pistolas .40, por exemplo, são armas usadas pela polícia”, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz. Muitos dos calibres flexibilizados nos decretos eram antes restritos às forças de segurança estaduais e federais. Pistolas .40, por exemplo, são empregadas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, enquanto a Polícia Federal e o Exército utilizam mais comumente pistolas 9mm. Também incluídos dentre os calibres liberados pelo decreto estão armas usadas pelas forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro, como carabinas .40 S&W e .30 Carbine.