Contágio sexual por vírus da zika leva a nova orientação para grávidas

19 de abril, 2016

(Folha de S.Paulo, 19/04/2016) Em um mês, o número de países com registros de transmissão sexual do vírus da zika mais do que dobrou, o que levou autoridades de saúde a lançar mais uma orientação às grávidas: o uso de camisinha nas relações sexuais.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), até o dia 14 de abril, sete países (EUA, França, Itália, Nova Zelândia, Chile, Argentina e Peru) tinham registros da transmissão sexual do zika. Em março, eram três.

Embora recomendado pela OMS e pelo CDC (Centros de Controle de Doenças, dos EUA), o uso de preservativos pelas grávidas e seus parceiros é controverso no Brasil. O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, endossa essa orientação e semana passada publicou nota, recomendando, inclusive, o uso do preservativo feminino.

“A hipótese de transmissão sexual ganhou força, com vários países relatando casos, e não podemos descuidar, principalmente, das gestantes. A camisinha deve ser usada durante a gravidez”, diz o médico epidemiologista Fabio Mesquita, diretor do departamento de DST/Aids.

Ele afirma que durante a gestação as mulheres têm vida sexual normal até pelo menos o sétimo mês de gravidez. “Não é comum usar preservativo com seus parceiros fixos. Mas agora é importante, assim como outras medidas de proteção [repelente, calças e blusas de comprida]”.

Para o ginecologista Cesar Fernandes, presidente da Febrasgo (federação das sociedades de ginecologia), a transmissão sexual do zika preocupa, mas ainda não está bem dimensionada, o que dificulta estender a orientação para todas as gestantes.

“Se o marido tiver zika, aí não tem dúvida de que precisa usar [preservativo] para evitar o risco da transmissão. Mas a recomendação indistintamente me parece um um pouco exagerada”, diz.

A Febrasgo prepara uma cartilha para orientar os obstetras do país sobre como devem conduzir a questão do vírus da zika durante a gravidez, mas ainda não decidiu como vai tratar da questão do uso preservativo na gravidez. “O casal que já tem vida sexual estabelecida, não sei se vai aderir a isso [camisinha]”, afirma Fernandes.

O obstetra Renato Kalil, do Hospital Albert Einstein, tem a mesma opinião. “É muita noia [a recomendação para todas as gestantes]. O foco ainda é prevenir a picada do mosquito, tem usar repelente, roupas compridas, usar roupas claras, as recomendações clássicas.”

Quando o risco de transmissão do vírus é maior, ele recomenda o preservativo. “Todos os vizinhos de uma paciente grávida, que mora no Rio, pegaram zika. Por causa disso, ela se mudou temporariamente para Curitiba. O marido, por questões de trabalho, continuou no Rio. Então, já avisei que tem que usar [o preservativo].”

Para ele, é fundamental reforçar as informações sobre zika entre os obstetras. “Tenho muitos colegas que ainda duvidam que zika provoca microcefalia. O obstetra Thomaz Gollop, professor da USP, também diz que há resistência dos colegas no trato da questão. “Entre os infectologistas e imunologistas, a informação circula mais e eles já estão mais conscientes dos riscos.”

Gollop afirma que recomenda que pacientes gestantes usem preservativo como forma de proteção contra o zika, mas a relutância tem sido grande. “Não aceitam, mesmo nas classes A e B. Se o marido propor o uso de preservativo, então, a coisa pega. As mulheres logo desconfiam de traição.”

CASOS

Ao todo, os sete países reúnem ao menos 20 casos suspeitos de transmissão sexual do vírus da zika. Todos têm histórico parecido: o parceiro viajou para uma região epidêmica e, quando retornou ao país de origem, acabou infectando a parceira ou o parceiro (há um caso envolvendo um casal gay).

Outra característica em comum é o fato de o zika ter sido encontrado no sêmen dos viajantes. E nenhum outro vetor (mosquito aedes) foi localizado na região onde viviam os casais.

Há também indicações iniciais da presença do vírus da zika em outros fluidos do corpo, como a saliva e a urina, mas não existe comprovação científica de transmissão por esses meios. Já em relação ao sangue, o país investiga pelo menos dois casos.

Cláudia Collucci

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