(Folha de S.Paulo, 07/11/2014) O governo federal quer discutir a regulação econômica da mídia a partir do segundo semestre do ano que vem, mas não irá apresentar um projeto pronto para enviar ao Congresso.
Segundo a presidente Dilma Rousseff, apesar da pressão do PT neste sentido, o ideal é que haja “uma ampla discussão” com a sociedade. Para ela, deve haver consultas públicas, inclusive por meio da internet, e reuniões setoriais com os grupos interessados.
Ela voltou a negar qualquer ideia de regulação de conteúdo, conforme já havia dito em ocasiões anteriores, em conversa nesta quinta (6) com jornalistas. “A liberdade de expressão é uma grande conquista.”
Mas, pela primeira vez, avançou no que considera regulação econômica da mídia. “Oligopólio e monopólio”, afirmou a presidente. “Por que qualquer setor tem regulações e a mídia não pode ter?”, afirmou, citando a regulação draconiana existente no Reino Unido.
“Do meu ponto de vista, uma das mais duras que tem. Não quero para nós uma regulação tal qual a inglesa ou a americana”, disse, citando o escândalo do “News of the World”, tabloide britânico que fechou após profissionais seus serem envolvidos em casos de grampos ilegais.
Após o escândalo, em 2011, o país aprovou uma lei dando mais poderes para o órgão de regulação já existente –incluindo pesadas multas caso sejam comprovadas condutas ilícitas dos meios de comunicação. A lei, que passa a valer em 2015, é criticada por setores da mídia que consideram que ela levará à autocensura da imprensa.
Questionada se isso incluiria a chamada propriedade cruzada, quando um grupo econômico possui rádios, TVs e jornais, por exemplo, ela disse: “Não só a propriedade cruzada. Tem inclusive um desafio, que é saber como fica a questão na área das mídias eletrônicas. O que é livre mercado total? Tenderá a ser a rede social, eu acho.”
O tema é caro à esquerda brasileira, e ao PT em particular. O partido historicamente defende regulamentar inclusive conteúdo. “Isso eu repudio”, afirmou Dilma.
Em sua resolução desta semana, a Executiva Nacional defendeu o encaminhamento de uma “Lei de Mídia Democrática” –e o partido sempre defendeu o fim de propriedade cruzada, mirando especialmente no Grupo Globo, o maior do país.
“Eu acho que tudo o que é concessão” entraria no escopo da regulação, afirmou Dilma.
No Brasil, rádios e TVs são concessões públicas. Mas ela negou o direcionamento à Globo, considerando que ela não é “a Rede Globo dos anos 70”: “Isso é uma visão velha da questão da regulação da mídia. A gente está demonizando uma rede de televisão, quando as regras têm de valer para todo mundo”.
Ela comparou a necessidade de discussão com o debate em torno do Marco Civil da Internet, cuja aprovação é considerada um sucesso político pelo governo.
BOLIVARIANISMO
Dilma fez elogios a um texto publicado pela Folha comparando Brasil e Venezuela (“Venezuelização?”, do correspondente em Caracas, Samy Adghirni, publicada em 4/11). “Só faltei beijar ele [o autor], porque ele mostra que é uma vergonha tratar os dois países como iguais. É uma excrescência, porque não tem similaridade”, afirmou.
“Querido, essa história de bolivarianismo está eivada de camadas de preconceitos contra o meu governo”, afirmou Dilma, usando o tratamento que dá quando quer ser assertiva.
“O uso ideológico de certas categorias distorce a compreensão da realidade”, afirmou.
“O mais estarrecedor é que cheguei à conclusão de que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, integrado pelo PIB brasileiro, é bolivariano”, brincou, comentando a rejeição pelo Congresso sob alegação de “bolivarianismo” do decreto que instituía uma política nacional para estimular participação popular por meio de conselhos.
Igor Gielow e Natuza Nery
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