(El País, 19/12/2015) A atriz mais respeitada de Hollywood continua sua luta pela igualdade de gênero. Ela agora estreia com longa ‘As Sufragistas’, de Sarah Gavron
Se existe uma coisa que Meryl Streep adora fazer é tirar a importância de seus feitos. Suas realizações, sua carreira, sua vida. Não há uma atriz que não confesse sua adoração por Streep, a intérprete cuja carreira gostariam de imitar. Não existe prêmio que não tenha vencido, indicada ao Oscar 19 vezes –o que a torna a intérprete, sem diferença de gênero, com o maior número de candidaturas–, que recebeu por Kramer vs. Kramer (1979), A Escolha de Sofia(1982) e A Dama de Ferro (2011). Ama o que faz e faz o que ama, essa tem sido a sua filosofia desde que começou no cinema nos anos 1970. Mas nunca será ela a subir em um pedestal ou a permitir que outros a coloquem lá. “Para isso tenho meus filhos, para me lembrar todas as manhãs quem eu sou”, afirma, pontuando suas palavras com uma risada fácil.
Se alguém fala sobre seus grandes papéis, ela menciona as piores experiências de sua carreira e cita Na Calada da Noite (1982) e A Morte Lhe Cai Bem (1992). Se seu interlocutor elogia seu compromisso com a solidariedade, a atriz responde o quanto ainda tem de trabalhar. “É o ruim de tentar fazer algo de bom. Nunca acaba. Nunca se consegue solucionar os problemas. Ajuda, mas você não resolve, um trabalho interminável”, diz de seu trabalho social, sobre o qual prefere não entrar em detalhes.
Mas se há algo de que se orgulha é de ser uma das vozes mais claras em favor da igualdade de gênero, dentro e fora de Hollywood. Uma igualdade da qual desfruta, mas que busca para todas. E é esse desejo que a levou a interpretar um pequeno papel em As Sufragistas, filme de Sarah Gavron que deixa claro que dois minutos com Streep são muito mais intensos do que um filme inteiro protagonizado por outras estrelas.
“Temos visto muitos filmes sobre a defesa dos direitos humanos, a igualdade social e racial, mas nada como esse”, diz a atriz para defender um filme centrado, como o próprio título diz, no movimento sufragista do início do século XX na Inglaterra. “É um filme de época, mas se olharmos para as diferenças de salário e de tratamento que existem hoje entre os gêneros, ninguém negará que a história é moderna”, afirma aquela que foi a primeira a se levantar para aplaudir o discurso em favor da igualdade feito pela atriz Patricia Arquette na última cerimônia do Oscar ao receber uma estatueta.
“Para mim essa não é uma causa nova. Eu sempre pensei assim, provavelmente desde que tinha 7 anos. O que tive foi sorte, e tenho desfrutado de uma boa caminhada em uma indústria onde, quando comecei, praticamente não havia mulheres em cargos executivos ou nas equipes de filmagem. As coisas melhoraram e suponho que a minha experiência tem ajudado, mas falta muito a se fazer”, diz a atriz, que luta pela igualdade de gênero tanto no Congresso norte-americano como através de outras iniciativas independentes.
“Eu tive sorte porque pude participar de filmes importantes em momentos oportunos da minha carreira. Títulos como Kramer vs. Kramer, que foi um reflexo do que estava acontecendo na sociedade. Ou agora, As Sufragistas, um filme que não poderia ser mais apropriado para o momento que vivemos. Mas eu não me engano. Mesmo na minha carreira, essas obras são bolhas de ar em uma indústria dirigida por homens e onde domina a narrativa masculina. As coisas são melhores na televisão”, afirma, contundente.
Para Streep (1949, Nova Jersey), o cinema está concentrado em franquias baseadas em brinquedos ou videogames. “Na televisão você encontra outra variedade, séries como Orange Is The New Black e muitas outras com mulheres nos papéis principais. Enquanto na tela grande, eu me lembro que exatamente há um ano dos 10 melhores filmes selecionados pelo Instituto de Cinema Americano, apenas um tinha uma mulher como protagonista. Cabe a outra pessoa mais preparada do que eu explicar essa disparidade, mas o que fica claro é que a voz que se escuta nessa indústria é principalmente masculina”.
A voz de Meryl Streep é potente, com tentáculos longos, e respeitada. Ao mesmo tempo em que a atriz enviou este ano uma carta a todos os membros do Congresso dos Estados Unidos lembrando a emenda constitucional que defende a igualdade, e outra para a chanceler alemã, Angela Merkel, para potencializar o desenvolvimento de mulheres entre as novas gerações, Streep está por trás de um programa de bolsas que incentiva novas gerações de mulheres roteiristas com mais de 40 anos de idade.
Tudo isso sem parar de trabalhar, com dois lançamentos em 2015, primeiro Ricki and the Flash e agora As Sufragistas, e outro para o próximo ano, Florence Foster Jenkins, sobre a pior cantora de ópera já conhecida. Uma história simpática e divertida que descreve a vida de outra dessas mulheres relevantes em sua trajetória. A atriz sustenta que cada uma de suas interpretações foi “importante” para ela, apesar dos filmes que renega. “No filme de Robert Benton interpretei o clichê de mulher misteriosa, bela e enigmática, que ninguém sabe nada. Nunca me interessou esse tipo de papel, uma imagem entediante do que realmente é uma mulher. E fracassei na hora de mostrá-la na tela”, lembra sobre Na Calada da Noite.
Em A Morte Lhe Cai Bem, de Robert Zemeckis, a atriz considera que o que falhou foi o diretor. “Ele é alguém que gosta mais de estar rodeado de câmeras do que de atores”, diz ela, rindo.
Uma nova geração de atrizes segue os passos da grande Meryl Streep. Algumas inclusive carregam seu nome, ou melhor, de seu marido, como no caso de suas duas filhas, Mamie e Grace Gummer. Outras simplesmente foram suas filhas nas telas. “Claire Danes e Renée Zellweger, sem ir além. Claire é inclusive amiga da minha filha”, diz a matriarca, que acrescenta que não gosta de dar conselhos.
“Se me perguntam, bem, eu digo alguma coisa. Mas dar conselhos é delicado, mesmo com minhas próprias filhas. Não quero ser uma intrometida”. Mas se alguém cujo único sonho fosse seguir seus passos profissionais pedisse, ela diria: “Não se desespere”. “Realmente, tudo o que uma atriz precisa é um bom material. Eu tive sorte e vivi na crista da onda da mudança. Só espero que minha experiência sirva de alguma coisa e ajude aquelas que vêm atrás”.
Rocío Ayuso
Acesse no site de origem: As batalhas de Meryl Streep (El País, 19/12/2015)