O Brasil ocupa a 152ª posição em relação ao percentual de parlamentares homens e mulheres na Câmara dos Deputados em um ranking de 190 países
(HuffPost Brasil, 19/07/2019 – acesse no site de origem)
De olho nas eleições municipais de 2020, a bancada feminina da Câmara dos Deputados quer aprovar nos próximos meses uma cota para mulheres no Legislativo. A mudança garantiria a presença de mais brasileiras nos cargos de vereador, deputado estadual e federal. Apesar de contrário à ideia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) deve levar o tema para o plenário da Casa decidir.
A intenção é garantir 20% das vagas para elas — percentual que seria incluído na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 134/2016. O texto atual da proposta estabelece percentuais mínimos para cada gênero nas três esferas do Legislativo de forma temporária. Seriam 10% para próximo pleito, 12% para o seguinte e 16% no outro.
Hoje a bancada de 77 integrantes na Câmara equivale a 15% dos 513 deputados. É o maior patamar que o grupo já atingiu no Brasil, alcançado após o Judiciário estabelecer, em 2018, a obrigatoriedade de 30% do Fundo Eleitoral como valor mínimo de recursos para candidaturas femininas. Esse é o mesmo percentual da cota de candidaturas, em vigor desde 2009.
“Hoje há um debate interno da bancada [feminina] trabalhando com a ideia que mantenha os 30% mínimo de financiamento, mas em vez de ter 30% de candidaturas, ter 20%, no mínimo, de vagas efetivas. Hoje nós temos vários estados que não têm deputadas”, afirmou ao HuffPost Brasil a presidente da bancada, deputada Professora Dorinha (DEM-TO).
Aprovada pelo Senado, a PEC teve aval de uma comissão especial da Câmara em novembro de 2016 e aguardava para ser votada em plenário desde então.
Na reforma política de 2017, a bancada feminina, coordenada à época pela deputada Soraya Santos (PL-RJ), relatora da proposta, tentou avançar, mas o texto não chegou a ser votado. A parlamentar atualmente é a primeira secretária da Câmara e única mulher a ocupar um cargo na Mesa Diretora da Casa.
Tanto Soraya quanto Dorinha cobram de Maia a promessa de campanha que fez ao ser eleito presidente da Câmara em fevereiro. “Rodrigo Maia tinha um compromisso conosco quando foi candidato. Ele fez um acordo de pautar [a PEC das cotas] e era para ter pautado. Não pautou. Voltamos a falar com ele agora. Não estamos pedindo voto para ele. Queremos que ele paute porque a gente precisa votar. O que queremos é tratar em tempo para as eleições de 2020”, disse Dorinha.
De acordo com a deputada, há disposição para discutir o percentual que tenha mais consenso entre os partidos. “Estamos dispostas a construir [percentual], mas não queremos retrocesso”, afirmou. “A gente quer que paute para a gente fazer o trabalho com os líderes, partidos, na construção do possível. E cada partido também se assumir perante a sociedade, como ele enxerga a mulher”, completou Dorinha.
Em entrevista ao HuffPost Brasil, Maia disse ser contra a cota de cadeiras para mulheres no Legislativo, mas disse que trabalharia para que a PEC fosse votada. Na avaliação do democrata, a medida causa uma distorção na representatividade política. ”O número de eleitores dividido por 513 deve dar esse número que é o número [de eleitores] de cada vaga. Se você puxar demais, vai ter mulheres eleitas com poucos votos, então acaba gerando distorção na representação no Parlamento”, disse.
Lista fechada e mulheres na política
Para o presidente da Câmara, uma solução mais efetiva seria a adoção da lista fechada. Nesse modelo, o eleitor vota no partido e não diretamente no candidato. Cabe às legendas estabelecer a ordem dos candidatos na lista para ocupar de fato as cadeiras no Legislativo.
Na reforma política de 2017, uma das medidas debatidas à época previa a inclusão de um político de gênero distinto em cada grupo de três na lista. Na época, a estimativa de consultores legislativos envolvidos no debate era de um aumento de 10% a 25% de mulheres no Parlamento, com base no número de cadeiras de cada legenda na composição da Câmara naquele momento.
O Brasil ocupa hoje a 152ª posição em relação ao percentual de parlamentares homens e mulheres na Câmara dos Deputados em um ranking de 190 países. O dado é monitorado pela Inter-Parliamentary Union – IPU.
Cota para mulheres na política é discutida no Senado
No Senado, uma proposta para aumentar a participação feminina na política também pode avançar. O Projeto de Lei 2235/2019 pode ser votado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa nos próximos meses.
O texto prevê que ao menos 30% das vagas de deputado federal, estadual, distrital e vereador sejam destinadas a cada um dos gêneros. No Senado, nas eleições em que há renovação de dois terços da Casa, uma vaga seria para mulheres e outra para homens.
A relatora, senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) vai acatar emenda do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para preservar a cláusula de barreira nesse sistema. O PL estava na pauta da CCJ em julho, mas não chegou a ser votado. Se aprovado pelo colegiado, segue para o plenário do Senado antes de ir para Câmara.
Deputadas divergem sobre cotas
Se por um lado há um esforço para ampliar a representatividade feminina nos cargos de poder, a forma de alcançar esse objetivo não é unanimidade entre elas. Presidente do Podemos, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP) quer acabar com a obrigatoriedade de 30% de candidaturas delas e, consequentemente, de aplicação desse percentual mínimo de financiamento.
Na última semana, quando os esforços na Câmara estavam centrados na votação do primeiro turno da reforma da Previdência no plenário da Casa, a CCJ quase votou proposta de Abreu com esse objetivo.
Relatora do PL 2996/2019 e vice-presidente da comissão, deputada Beatriz Kicis (PSL-DF) é a favor da admissibilidade do texto. O texto não foi votado após pedido de vista coletivo, em 10 de julho.
Participante da articulação para evitar o avanço da medida, a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ) acredita que assegurar a representatividade feminina na política é essencial para o avanço de alguns temas.
“Quando as mulheres não estão lá, questões específicas que vivenciamos são negligenciadas ou inviabilizadas. Somos maioria na lesão corporal dolosa, maioria quando se trata de estupro”, afirmou ao HuffPost. ”É fundamental que tenha política pública afirmativa para corrigir essa desigualdade na ocupação desses espaços de decisão”, completou.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também irá apresentar uma proposta para assegurar as conquistas atuais.
Na justificativa da proposta, a presidente do Podemos diz que “não é razoável supor que exista discriminação de gênero que impeça candidaturas femininas a ponto de precisar de medidas extremas como a existente na legislação atual”.
De acordo com o texto de Abreu, “existe certa dificuldade em dar uma resposta clara à questão, tendo em vista o fato de que a destinação obrigatória dos recursos para as mulheres não está explicitamente prevista em lei”. A deputada ressalta que partidos que não atingem a cota mínima estão sujeitos à sanção de terem indeferidas todas as candidaturas da agremiação ou coligação.
Ao HuffPost Brasil, a parlamentar afirmou que “há uma dificuldade cultural” para preencher as candidaturas e que a lei atual não resolve o problema de representatividade feminina. “A gente sabe a dificuldade é que convencer uma mulher a largar os filhos, largar o marido para ir para Brasília”, disse.
A favor da cota de, no mínimo, 20% de cadeiras para mulheres no Legislativo, Abreu disse que será feito um adendo ao projeto de lei. A sugestão é alterar o critério de distribuição do Fundo Partidário. Hoje os recursos são distribuídos de acordo com o total de votos da sigla para o cargo de deputado federal. Por exemplo, uma legenda que conquistou um milhão de votos receberia R$ 1 milhão.
A proposta da parlamentar é que os votos de mulheres computem em dobro para efeito desse repasse. De acordo com ela, a medida tem o aval do vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques.
Partidos não cumprem lei atual
Ao estipular a obrigatoriedade dos 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não deixou claro como esses recursos deveriam ser contabilizados por partidos e coligações, nem se a distribuição incluiria tanto candidaturas proporcionais — deputadas estaduais, distritais e federais — quanto majoritárias — senadoras, governadoras e presidente —, além de vices e suplentes. Dessa forma, coube aos partidos decidir.
O Podemos é uma das siglas com dificuldades para cumprir a legislação atual, ainda que se considerem critérios abrangentes. Se forem incluídas chapas eleitorais em 2018 em que a vice ou suplente é mulher, a legenda não teria destinado 30% a candidaturas femininas, de acordo com estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A pesquisa revela também a dificuldade dos partidos em cumprir a cota de candidaturas. Apesar de ser obrigatória desde 2009, foi cumprida pela primeira vez em 2018.
Ao analisar, contudo, as coligações, o cenário é diferente. A norma não foi cumprida em 44 das 316 coligações. Além disso, 8 partidos (PSD, PROS, PCB, DEM, Podemos, Solidariedade, Rede e PMN) não cumpriram com a cota globalmente, isolados de suas coligações. Apenas o Novo atingiu o índice sem depender de outras siglas.
Presidente da bancada feminina, Dorinha reconhece os obstáculos, mas destaca o objetivo dessas iniciativas. “Algumas deputadas alegam que, no formato que está, ainda mais agora sem coligação, se a gente não tiver mulheres que queiram se candidatar, isso derruba a candidatura de um homem. É verdade, mas o objetivo da cota é esse: estimular, motivar que você incentive quem tem fragilidade”, afirmou.
Caso o Congresso aprove algum recuo sobre o tema, a deputada afirmou que os direitos atuais serão garantidos pela Justiça. “Se passar um projeto dessa natureza [que reduza incentivos a mulheres na política], no outro dia nós estamos no Supremo e eles derrubam porque existe o princípio do não retrocesso. Nós estamos num processo de avanço em relação à presença de mulher nos espaços políticos dos municípios, dos estados e do Congresso”, conclui.
Por Marcella Fernandes