Chimamanda Adichie elenca sugestões feministas para educar crianças

03 de março, 2017

“É um círculo estreito de pessoas, é como um grupo em uma pequena sala e, quando você fala, todos te ouvem, mas é uma pequena sala”. Essa é a percepção de Chimamanda Ngozi Adichie, 39, sobre o feminismo, após ter participado da Marcha das Mulheres, uma passeata que tomou conta das ruas norte-americanas em janeiro deste ano, em protesto contra Donald Trump e as acusações de misoginia feitas a ele.

(Folha de S. Paulo,  03/03/2017 – acesse no site de origem)

“Há muita conversa sobre feminismo em ascensão, mas não acho realmente que isso esteja em alta”, resume.

A escritora nigeriana tornou-se uma das difusoras do movimento desde seu discurso “Sejamos Todos Feministas”, na conferência internacional TED, em 2013 –o manifesto foi publicado em formato de livro em 2015.

Naquela época, Adichie já havia lançado “Hibisco Roxo” (2003), “Meio Sol Amarelo” (2006), “A Coisa à Volta do Teu Pescoço” (2009) e “Americanah” (2013), romances que a consagraram como expoente da literatura africana. Em 2008, ela recebeu a “bolsa para gênios” da Fundação MacArthur.

Agora, ela publica “Para Educar Crianças Feministas – Um Manifesto”, em que propõe a ruptura do preconceito e da misoginia por meio da educação de novas gerações.

No livro, ela acredita ter finalmente reunido o sumo de sua visão sobre a “doutrina”.

“A teoria feminista é importante porque dá nome às coisas, mas meu foco é mais prático.” Para ela, o livro ajudou a “mapear” seu próprio “pensamento feminista”.

“Essas são coisas nas quais eu venho pensando e acreditando há muitos anos, mas ainda não as tinha definido e imaginado que, sim, podemos criar uma garota e, principalmente, um garoto de uma nova maneira”, diz.

Apesar do título, o livro não se dirige apenas a pais e mães, mas, sim, a “todos que pensam no feminismo como uma palavra negativa e que associam o movimento a posições extremistas”, explica.

“É minha maneira de dizer ‘olhe por esse lado’. A questão da injustiça de gênero é que as coisas são feitas assim há tanto tempo que elas são vistas como normais.”

Se o tema consolida parte do público que se vê representada por suas reflexões, implica também uma perda. Ela recorda que, em um evento na Nigéria, um homem lhe disse que deixara de gostar de sua obra quando ela começou a falar de feminismo.

“Há muita hostilidade à ideia de feminismo. O mundo é sexista e a misoginia é praticada tanto por homens quanto por mulheres”, diz.

“Ele [o ex-leitor] representa um grande número de pessoas que, porque escolhi falar e me identificar publicamente com o feminismo, são hostis a mim. Isso prova que há muito trabalho a ser feito em qualquer lugar do mundo.”

Em um trecho, Adichie diz que fica mais irritada com sexismo do que com racismo, mas não porque ache pior do que o outro. Ela explica que pessoas próximas a ela entendem o racismo, mas não os embates de gênero.

“Se eu falo sobre gênero, as pessoas que eu amo e das quais me cerco ainda esperam que eu os convença do que digo. Às vezes, acham que estou exagerando ou sendo sensível demais. Sinto-me só.”

QUERIDA IJEAWELE

O novo livro é uma versão de uma carta que Adichie escreveu a uma amiga de infância que lhe pediu conselhos de como criar sua filha.

“Para mim, o feminismo é sempre uma questão de contexto”, ela escreve no início do livro, antes de revelar a premissa de seu pensamento, a de que as mulheres têm valor igual ao dos homens. E questiona: é possível, numa dada situação, inverter papéis de homens e mulheres e chegar ao mesmo resultado?

A partir disso, com linguagem sensível e acessível, fugindo do tom professoral – ainda que o o breve volume sirva de manual–, Adichie elenca 15 sugestões.

As propostas vão desde estabelecer senso crítico no uso da linguagem a ataques ao que chama de “feminismo leve” –a ideia de uma igualdade feminina condicional.

Tão debochada como a autora, dona de ironias ácidas e alfinetadas cirúrgicas, a amiga respondeu: “Por que você não pega a minha filha e cria você mesma?”.

MUNDO BAGUNÇADO

A palavra “sugestão”, aliás, não foi utilizada por acaso. Adichie, que escondeu sua gravidez em 2016 porque não queria representar um estereótipo, sabe a dificuldade de pôr a teoria em prática.

“O mundo é bagunçado e eu não acho que exista uma resposta para tudo, acho que, desde que partamos de uma premissa de igualdade, você pode lidar com as coisas de diferentes maneiras”, diz.

“Acho muitas vezes que as coisas devam ser situadas culturalmente; algo pode ser extremamente sexista em um país e, em outro, nem tanto.”

Ela diz que a maternidade não mudou sua visão do feminismo, mas que agora quer ser mais esperançosa pela filha.

“Nunca amei ninguém como a amo. Se algo mudou, é que o feminismo não é mais uma teoria, agora sou eu pensando sobre o mundo no qual minha filha viverá, então eu quero desesperadamente que as coisas melhorem para ela.”

FAÇA VOCÊ MESMO
Leia algumas dicas da autora

Seja uma pessoa completa. A maternidade é uma dádiva maravilhosa, mas não seja definida apenas pela maternidade. Seja uma pessoa completa. Vai ser bom para sua filha.

Ensine a ela que ‘papéis de gênero’ são totalmente absurdos. Nunca lhe diga para fazer ou deixar de fazer alguma coisa ‘porque você é menina’. ‘Porque você é menina’ nunca é razão para nada. Jamais.

Nunca fale do casamento como uma realização. Encontre formas de deixar claro que o matrimônio não é uma realização nem algo a que ela deva aspirar. Um casamento pode ser feliz ou infeliz, mas não é realização.

Ensine-lhe o gosto pelos livros. A melhor maneira é pelo exemplo informal. Se ela vê você lendo, vai entender que a leitura tem valor […] Os livros vão ajudá-la a entender e a questionar o mundo, a se expressar, vão ajudá-la em tudo o que ela quiser ser.

Ensine a não se preocupar em agradar. A questão dela não é se fazer agradável, a questão é ser ela mesma, em sua plena personalidade, honesta e consciente da igualdade humana das outras pessoas.

Ao lhe ensinar sobre opressão, tenha o cuidado de não converter os oprimidos em santos. A santidade não é pré-requisito da dignidade. Pessoas que são más e desonestas continuam seres humanos e continuam a merecer dignidade.

 

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