(UOL, 07/06/2016) A noite desta terça-feira (07) virou um marco temático para o revezamento da tocha olímpica no Brasil – a chama da Rio-2016 começou a circular pelo país no dia 3 de maio e passará por 300 cidades até chegar ao Rio de Janeiro, sede dos Jogos. A lista de condutores tem cerca de 12 mil nomes, e a programação desta noite incluía duas figuras extremamente representativas para a luta em prol dos direitos das mulheres: Juliana de Faria, ativista e fundadora da ONG Think Olga, e Maria da Penha, farmacêutica que motivou a criação de uma lei nacional com o nome dela. Também constava o funkeiro MC Biel, que foi excluído exatamente por ter sido acusado de assédio sexual por uma jornalista.
“Que medida maravilhosa! Importante! Só aplausos para quem tomou conhecimento dessa história e agiu assim. Ainda bem que isso aconteceu a tempo de retirá-lo de algo de grande visibilidade”, comemorou Maria da Penha, 71. “É bom que exista tolerância zero com algo assim. É um meio para que as pessoas entendam sobre respeito às mulheres”, completou.
Vítima emblemática de violência doméstica, a farmacêutica sofreu duas tentativas de assassinato do marido em 1983 (ele atirou em Maria da Penha pelas costas e tentou eletrocutá-la). Como reflexo, ela acabou ficando paraplégica.
O marido de Maria da Penha foi julgado e condenado, mas ficou preso por apenas dois anos. Foi solto em 2004, depois de ter recorrido, e está livre até hoje.
Por causa desse episódio, o Brasil foi denunciado pelo Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e pelo Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher). Os dois órgãos levaram o caso à comissão interamericana de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), que condenou o país e exigiu uma mudança de legislação.
A consequência disso foi a criação de um mecanismo que permitisse a proteção da mulher nas relações de gênero. Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha é até hoje um dos principais dispositivos de combate à violência doméstica.
“O tema nunca deixa de ser debatido. Pesquisas mostram que 98% da população brasileira tem conhecimento sobre a existência da lei. O que a gente precisa agora é fazer com que os gestores públicos invistam mais na questão do combate à violência doméstica longe dos grandes centros. É preciso cobrar para que os municípios tenham equipamentos que atendem à lei e que ofereçam condições para denúncias das mulheres”, disse Maria da Penha.
Por que MC Biel foi retirado do revezamento
O funkeiro também seria uma das atrações do roteiro da tocha nesta terça-feira, mas acabou desconvidado após um episódio envolvendo uma jornalista do portal “iG”. Em maio, os dois tiveram dois contatos em entrevistas realizadas em São Paulo. O músico se referiu à repórter com termos como “gostosinha” e “se te pego, te quebro no meio”.
A jornalista, cuja identidade tem sido preservada, registrou boletim de ocorrência na 1ª Delegacia da Mulher de São Paulo. Ela entregou áudios e vídeos à polícia para provar as ações de Biel.
Na última segunda-feira (06), o comitê organizador da Rio-2016 resolveu retirar o funkeiro da lista de condutores da tocha. “O revezamento quer passar uma imagem de paz e não quer aliar o evento ou os conceitos do olimpismo a esse acontecimento”, disse a entidade em comunicação oficial.
Ativista pelos direitos da mulher também conduz a tocha nesta terça
A retirada de Biel e a presença de Maria da Penha, contudo, não são os únicos motivos para a terça-feira ser especial para a questão dos direitos da mulher no revezamento da tocha. A farmacêutica, que hoje é ativista e trabalha em um instituto com o nome dela, receberá a chama olímpica de Juliana de Faria, jornalista que fundou em 2013 a ONG Think Olga.
Juliana, que também está à frente de campanhas como “Chega de Fiu Fiu” e “#PrimeiroAssédio”, é formada na PUC-SP e tem largo histórico de defesa dos direitos da mulher. Ela é uma das escritoras do livro “Meu corpo não é seu”, que também aborda a violência contra a mulher.
“É muito satisfatório. A violência contra a mulher está em todas as áreas, inclusive no esporte. Perceber que a organização está tendo um olhar cuidadoso e querendo jogar luz nesse tema é uma vitória para as mulheres. Claro que é um evento celebratório, de competição, mas que esse tema não seja esquecido porque ele é muito ligado à cultura”, cobrou a ativista.
Por toda essa aproximação com o tema dos direitos das mulheres, Juliana foi outra que celebrou a exclusão de Biel: “Acho que foi uma decisão absolutamente coerente. Toda a organização vem olhando para esse tema da violência contra a mulher com cuidado e carinho. Por isso eu estou aqui e a Maria da Penha vai ser a última condutora. É uma ação que mostra que a violência contra a mulher não vai ser tolerada”.
“Eu enxergo como um momento em que nós estamos enfim tratando esses assuntos com seriedade. Claro que grupos feministas já faziam isso, mas agora em um âmbito maior a gente já não olha para essas ações como comportamentos naturais. A gente vê como algo a ser combatido, o que é positivo”, completou.
O Think Olga lançou no início deste ano uma campanha chamada Olga Esporte Clube, que é especialmente voltada ao empoderamento feminino nessa seara. Desde então, o coletivo já realizou quatro ações relacionadas ao tema. O projeto começou com aulas gratuitas ministradas pela ex-jogadora de basquete Janeth Arcain e pelas atletas da seleção brasileira de rúgbi.
A primeira abordagem foi uma pesquisa sobre esporte com 1.500 pessoas e recorte de gênero. “Na infância, quando a gente pergunta o motivo de as mulheres praticarem esporte, o primeiro motivo era diversão. Na adolescência e na fase adulta, a diversão some do top 3, e a primeira palavra é emagrecimento”, relatou Juliana.
Nos próximos meses, o Olga Esporte Clube vai lançar duas novas ferramentas. Uma delas será um aplicativo para conectar mulheres que praticam esporte, e outra será uma campanha denominada “Chama por elas”, voltada a mostrar a relação do público feminino com o segmento.
Guilherme Costa
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