Contradição brasileira: práticas positivas e violações de direitos marcam vida de presidiárias

30 de novembro, 2014

(Opera Mundi, 30/11/2014) As mulheres que cumprem pena nos presídios brasileiros, em sua maioria, são jovens, negras, com idades entre 18 e 29 anos, têm de dois a cinco filhos, baixa escolaridade (muitas sequer completaram o ensino fundamental) e estão presas por envolvimento com o tráfico de drogas. Apesar das experiências pontuais de capacitação, assistência às presas e humanização das relações nos presídios, o sistema penitenciário é particularmente perverso com suas populações femininas, pois multiplica o preconceito, a marginalização e a violação de direitos das mulheres e estende a discriminação aos seus filhos e familiares.

Leia mais: As politicas prisionais não são feitas para a mulher afirma assessor jurídico da PCr (Pastoral Carcerária, 20/11/2014)

Segundo as professoras Bruna Angotti, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e Ana Gabriela Mendes Braga, da Unesp, aproximadamente 40% das apenadas no país ainda não foram julgadas. “Elas aguardam presas, apesar de existirem inúmeras medidas legais para evitar a prisão provisória”, diz Bruna. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias, em junho de 2013 havia no país 36.135 mulheres encarceradas. E, ainda, segundo a Comissão Projeto Mulheres do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), existem atualmente no Brasil 80 presídios, sendo 288 unidades mistas que custodiam homens e mulheres, com a devida separação física.

As mulheres são mais abandonadas do que os homens quando vão para a prisão. Poucas recebem visitas dos companheiros, ao contrário dos homens, que são regularmente visitados. Um número significativo de mulheres não recebe qualquer tipo de visita. Segundo pesquisa realizada pelo Depen em 2008, quando um homem é preso, a mulher procura o advogado para tentar tirá-lo da cadeia. Já, quando uma mulher é presa, o marido procura o advogado para tratar do divórcio.

Entre as maiores causas do aprisionamento de visitantes femininas está o tráfico de drogas, com 78%. A pena é elevada por ocorrer no interior do estabelecimento prisional. Deste índice, 60% dessas mulheres violam o próprio corpo com a introdução de materiais ilícitos ou, ainda, sofrem pressão das redes de tráfico; 40% delas afirmam que foram submetidas a agressões físicas ou morais de seus companheiros ou familiares para burlar o sistema prisional.

No Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde (FOC), em Rio Branco, no Acre, detentas que se dedicam à jardinagem têm redução de pena (Foto: Luciano Pontes / Secom / Fotos Públicas)

“Atualmente o sistema prisional tem um déficit de cerca de 13 mil vagas. A demanda maior é em São Paulo (35%), Minas Gerais (9%), Paraná (7%) e Rio de Janeiro (6%). Nos últimos três anos, o departamento financiou a construção de 22 unidades prisionais femininas e todas estão em processo de construção para a geração de 8.138 vagas. Fora esse dado, os estados brasileiros possuem seus planejamentos em termos de geração de vagas”, informa Gisele Pereira Peres, coordenadora do Depen.

Segundo ela, existem diversas práticas positivas em desenvolvimento em algumas unidades federativas. Um exemplo é o estado do Espírito Santo, que investiu em infraestrutura nos últimos anos. Outros estabelecimentos femininos apresentam um bom padrão físico. “O do Paraná tem uma creche e projeto pedagógico para as crianças que lá se encontram. Também proporciona atividade laboral em grande escala, já que permite a entrada de empresas privadas nas unidades prisionais”, explica Gisele. O Ceará executa um projeto voltado ao estreitamento dos laços entre mãe e filhos; o de São Paulo publicou recentemente as diretrizes para a mulher presa e possui várias unidades novas, construídas em atendimento às especificidades da mulher.

Já a Paraíba instalou núcleos em várias unidades prisionais, incluindo os de prática jurídica, agricultura, construção de galpões, profissionalização, fábrica de tijolos, cozinha industrial, construção de quartos para encontros íntimos etc. A PUC-PR desenvolve atividades em várias áreas na Penitenciária Feminina de Piraquara, como  oficina de música, inicialização musical para bebês, estreitamento dos laços materno-infantis, profissionalizações e assistência jurídica.

No entanto, o quadro exposto por Bruna Angotti é bem mais preocupante. Segundo ela, não é possível falar de maneira universal das unidades prisionais brasileiras, pois há realidades muito distintas. Por exemplo, a das cadeias públicas, onde se encontram boa parte das presas provisórias do país é distinta das penitenciárias, onde, em geral, a situação é melhor. “Nas cadeias públicas a situação é, na maioria das vezes, precária. Não há assistência médica regular, poucas são as oportunidades de trabalho e há grande dificuldade de acesso à justiça”, revela.

Na opinião da professora, os presídios são muito diferentes entre si. Há unidades mais garantidoras de direitos e outros em que as presas ficam mais vulneráveis. A Penitenciária Feminina do Estado do Ceará é um exemplo de unidade prisional que cumpre com a Lei de Execução Penal (LEP), assegurando os direitos das detentas. O estabelecimento conta com plantão de defensores públicos, escola, curso de graduação em Filosofia, assistência psicológica e equipe de assistentes sociais. “Há creche para mães ficarem com seus bebês ao menos durante o tempo mínimo previsto em lei, ou seja, de seis meses. Já outras unidades não cumprem com o mínimo estipulado em lei”, ressalta.

Segundo a pesquisadora, a penitenciária feminina de Salvador é a pior do país, já que dispõe de poucas vagas de emprego e o acesso à justiça não facilitado pela unidade. “A falta de defesa é o principal problema enfrentado por elas. Além disso, há, em geral, falta de equipe multidisciplinar que garanta às mulheres acesso à assistência social e à saúde”, ressalta Bruna. A dificuldade de manutenção de laços com os familiares também é um ponto importante – muitas delas são mães e não recebem a visita dos filhos, seja pela distância do local onde se encontram presas ou devido ao dia estipulado pela direção. Muitas cadeias determinam que os encontros devem acontecer ao longo da semana, dificultando a aproximação de familiares que estudam ou trabalham.

Na opinião da especialista, são fundamentais as políticas que garantam às mulheres a convivência com os filhos e a participação em eventual processo e audiência de destituição de poder familiar para que não corram o risco de perdê-los para a adoção. Outras demandas que ela defende são particularidades femininas, como produtos de higiene e atendimento médico ginecológico a que nem todas as presas têm acesso.

Mulheres e seus bebês no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, Minas Gerais (Foto: Carlos Alberto / GEMG / Fotos Públicas)

O direito à visitação para fortalecimento do vínculo familiar entre mãe e filho deve ser assegurado às detentas. O mesmo se aplica às mães que ao ingressarem no sistema penitenciário já tenham filhos adolescentes. Também é proibido o encaminhamento de filhos de mães presas para adoção, pois a privação de liberdade não destitui o pátrio poder.

O Ministério da Justiça, por meio do Depen, constituiu em 2012 uma coordenação específica para tratar da temática das mulheres em situação de prisão. A consequência desse trabalho foi a elaboração da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, instituída pela Portaria Interministerial MJ e SPM nº 210, de 16 de janeiro de 2014.

São metas da Política Nacional, entre outras, a assistência material, acesso à saúde, educação, assistência jurídica, atendimento psicossocial, religiosa, laboral, específica à maternidade, a dignidade no ato de revista, tratamento adequado à mulher estrangeira e ações voltadas à presa provisória.“Estamos na fase do fomento para que as unidades da Federação elaborem as suas políticas estaduais com base na nacional e, assim, tenhamos melhorias das práticas do encarceramento feminino brasileiro”, afirma Rosangela Peixoto Santa Rita, da Coordenação da Comissão Especial Projeto Efetivação dos Direitos das Mulheres no Sistema Penal.

S. B. D, de 38 anos, está na penitenciária feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, pela segunda vez. Na primeira foi condenada por tráfico de drogas e pegou pena de quatro anos. Saiu em 2006. Voltou pelo mesmo motivo em 2010. “Fui condenada pelos meus antecedentes. Tudo isso aconteceu porque meu marido estava envolvido com crimes e acabaram me associando a ele”, diz S., com sua bebê de apenas um ano de idade nos braços. A menina nasceu no presídio e será separada da mãe em pouco tempo. “Estou arrasada. Vai ser uma barra para mim, não quero me separar dela, não estou preparada para esse momento”, confessa a apenada entre lágrimas.

Ambas ficam na Unidade Materno Infantil, uma galeria separada do resto da instituição. No total, são 13 mães e suas crianças, mais cinco gestantes. As presas são transferidas para essa ala quando completam sete meses de gestação. “Elas recebem atendimento médico em diversas especialidades, incluindo cuidados com ginecologistas, pediatras, clínico geral e infectologista”, explica a diretora do Madre Pelletier, Marília dos Santos Simões.

Das 211 presas, cem trabalham e ganham, em média, R$ 580 por mês. L. G. F, de 42 anos, ficará presa por dez anos e seis meses, também por tráfico de drogas. Já cumpriu um ano e sete meses. As visitas são raras: somente uma dos seus seis filhos costuma aparecer na casa prisional para visitá-la. “Prefiro não receber ninguém”, confessa. Nos últimos 12 meses, ela vem trabalhando no local com embalagens de temperos e frutas. “Estou adorando. E assim aprendo a dar valor ao trabalho quando eu sair daqui. É importante saber que as coisas podem ser diferentes”.

Adriana Machado

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