Crise de 2016 paralisou avanços nos direitos humanos, aponta Anistia Internacional

21 de fevereiro, 2017

2016: Definitivamente, um ano de retrocesso nos direitos humanos

(HuffPost Brasil, 21/02/2017 – acesse no site de origem)

“Em 2016, a crise política nacional impactou diretamente os direitos humanos no Brasil e deixou um sinal de alerta em relação ao que está por vir”, atesta a Anistia Internacional.

No Brasil, as mulheres são as protagonistas na luta por justiça. (Foto: Nacho Doce/Reuters)

Em relatório divulgado nesta terça-feira (21), a organização afirma que “a crise política, econômica e institucional vivida no País no ano passado paralisou os debates sobre políticas públicas de promoção de direitos humanos, contribuindo para o avanço de agendas conservadoras, retrocessos e aumento de violações em determinadas áreas”.

O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/2017” destaca como abusos no Brasil o alto índice de homicídios, a forte repressão aos protestos, as mortes pela polícia, a lei antiterrorismo, as condições degradantes do sistema penitenciário, projetos de lei que atingem direitos já conquistados, além das violências no campo, contra as crianças, os jovens e as mulheres.

O contexto político brasileiro é citado como um dos entraves para avanços na área. Entre as propostas, foram elencadas a PEC do teto de gastos, projetos que prejudicam direitos, como o Estatuo da Família, e a extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos – recentemente recriado.

O que vimos em 2016 foi o desmantelamento de estruturas institucionais e programas que garantiam a proteção a direitos previamente conquistados e a omissão do Estado em relação a temas críticos, como a segurança pública. Nenhuma crise pode ser usada como justificativa para a perda de direitos.
Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil

Segundo a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, só a mobilização por justiça tem capacidade de resistir às ameaças de retrocesso ou ataque aos direitos humanos.

“São pessoas comuns como eu e você que têm o poder de chamar a atenção e canalizar a indignação em ações concretas que nos ajudam a transformar o mundo em um lugar onde todos e todas têm acesso a seus direitos”.

Mulheres

No Brasil, são as mulheres as principais responsáveis pelas mobilizações, embora o perfil da vítima de abuso nos direitos humanos seja dominado pelo jovem negro.

“Seja no Brasil ou em outros países das Américas, vemos que essa situação se repete. As mulheres são as protagonistas na luta por justiça pelos homicídios praticados por agentes da segurança pública. Essa mobilização, no entanto, muitas vezes resulta em ameaças e ataques contra essas mulheres por parte dos policiais envolvidos nos homicídios, em uma tentativa de intimidar e impedir que a justiça seja feita”, pontua Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.

(Foto: Anistia Internacional)

Américas

O estudo mostra que essa repressão se alastrou pelas Américas. “Os governos muitas vezes usaram o aparato de justiça e segurança para reprimir a dissidência, de maneira cruel, aumentando assim o descontentamento público”, diz o levantamento.

Obstáculos ao acesso à Justiça e o enfraquecimento do Estado de Direito foram comuns a muitos países da região. Ao mesmo tempo, a falta de sistemas judiciários imparciais e independentes protegeram ainda mais os interesses políticos e econômicos.

Segundo o estudo, tal cenário permitiu a perpetuação de violações aos direitos humanos. Apesar da legislação contrária à tortura em países como Brasil, México e Venezuela. Além desses três países, El Salvador, Honduras e Jamaica têm as taxas mais altas de homicídio do planeta.

Onda mundial

O relatório, porém, mostra que a condição dos direitos humanos não é delicada só no Brasil e ressalta que 2016 foi um ano difícil ao redor de todo o mundo. A ONG define o ano passado como “um ano de miséria e medo”.

2016 viu a ideia de dignidade e igualdade humanas, a própria noção da humanidade como uma família, sob um ataque vigoroso e implacável de narrativas poderosas de culpa, medo e bodes expiatórios, propagadas por aqueles que buscam tomar ou se manter no poder a quase qualquer preço.
Salil Shetty, secretário-geral da Anistia Interncional

Internacionalmente, no cenário político, “o mais vistoso de muitos acontecimentos desastrosos” ficou por conta da eleição do presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

Vale lembrar que “sua eleição veio depois de uma campanha em que ele, com frequência, fez comentários profundamente desagregados, marcados pela misoginia e xenofobia, e prometeu restringir liberdades civis e introduzir políticas que podem ser bastante contrárias aos direitos humanos”.

A Anistia Internacional afirma ainda que esta “retórica venenosa” aponta para uma tendência global. “Em todo mundo, líderes e políticos apostaram seu poder futuro em narrativas de medo e desunião, culpando o ‘outro’ por queixas do eleitorado – reais ou fabricadas.”

Esperança

Embora o panorama seja negativo, a entidade faz um apelo: “É nessas horas que vozes corajosas são necessárias, e heróis comuns vão se levantar contra a injustiça e a repressão”.

Ninguém pode conquistar o mundo, mas cada um pode mudar seu próprio mundo. Cada um pode se posicionar contra a desumanização, abrindo localmente para reconhecer dignidade e os direitos iguais e analisáveis de todos, e construir assim os alicerces da liberdade e justiça no mundo. 2017 precisa de heróis dos direitos humanos.
Jurema Werneck

O relatório traz uma análise das principais violações aos direitos humanos em 159 países. O cenário brasileiro foi abordado em uma lista com 55 países.

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