(Zero Hora) Todo ano, ao final da novela das nove, sempre há uma polêmica. Nos últimos anos, diversas vezes a polêmica tem sido o famoso beijo gay. Desta vez, a dúvida é se terá ou não um beijo entre os personagens Félix e Niko na novela Amor à Vida. Por que tanta polêmica? O que é um beijo? Um beijo é uma demonstração de carinho e afeto que uma pessoa dá para outra, para selar sua relação, e nisso não há problema algum. Hoje, vemos na televisão diversas cenas que podem causar muito mais indignação entre a sociedade brasileira: mortes, assaltos, fogo ateado a ônibus, presos se degolando, crianças sendo mortas, ou o jovem gay cujo corpo foi encontrado recentemente na Avenida Nove de Julho em pleno centro da cidade de São Paulo, com os dentes arrancados, o rosto cheio de hematomas e fraturas, e a perna atravessada com uma barra de ferro. Mas um beijo é simplesmente um beijo, seja entre hétero ou homossexuais. O descabimento da censura de um “beijo gay” pode ser exemplificado pelo caso do soldado americano Leonard Matlovich, expulso do exército por ser gay nos anos 1970, que falou: “No exército, me condecoraram por matar dois soldados; e me expulsaram por beijar outro”. Então, um beijo é simplesmente um beijo: a kiss is just a kiss.
Percebe-se que a questão do beijo “gay” e do próprio personagem Félix, tem sido assunto de capa de revista, enquetes nos grandes sites, e também tem gerado uma grande discussão nas redes sociais. Isto é importante, pelo trabalho do autor e do ator Mateus Solano, e também pela militância LGBT que vem trabalhando muito neste sentido. Hoje, há em torno de 200 Paradas LGBT dando visibilidade à causa em todo o Brasil, há cerca de 400 organizações LGBT da sociedade civil trabalhando e lutando pelos direitos humanos, bem como algumas políticas públicas afirmativas para LGBT no âmbito federal e em alguns Estados e municípios.
Mesmo assim, ainda é preciso melhorar muito. No último relatório (ano de 2012) do governo federal sobre a violência homofóbica no Brasil, foram registradas 9.982 denúncias de violações de direitos humanos de pessoas LGBT e 310 assassinatos homofóbicos. O Congresso Nacional não aprovou sequer uma lei específica que contemplasse favoravelmente a comunidade LGBT; o projeto de criminalização da homofobia foi, infelizmente, apensado à proposta de reforma do Código Penal. Se não fosse o trabalho do Judiciário, nós continuaríamos sem a devida proteção jurídica. Neste sentido o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça têm de ser elogiados, e a novela, por mais que seja uma obra de ficção, reflete muito dessa evolução da sociedade e das instituições nas suas atitudes, posturas e ações em relação às pessoas LGBT. Por exemplo, segundo pesquisas de opinião pública, em 1993 apenas 7% da população era favorável à união homoafetiva, hoje são 55%.
Esperamos que os pombinhos se beijem. E, se não se beijarem, esperamos que _ quem sabe _ daqui a uns 10 ou 15 anos um beijo seja considerado simplesmente um beijo e que não gere tanta polêmica como ocorre desnecessariamente hoje.
*Doutor em Educação e secretário da Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT)
Acesse o PDF: Félix, o beijo e a homofobia, por Toni Reis (Zero Hora – 24/01/2014)