Para Debora Diniz, do Instituto Anis, há chances de avanço na legislação, considerando as decisões da Corte nos últimos dez anos
Nesta terça-feira 28, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber deu um prazo de 5 dias para os Três Poderes se manifestarem sobre o pedido de liminar feito pelo PSOL e pelo Instituto Anis, que amplia a legalização do aborto.
(CartaCapital, 30/03/2017 – acesse no site de origem)
Debora Diniz, colunista de CartaCapital e antropóloga à frente do Anis – Instituto de Bioética, organização feminista dedicada à promoção dos direitos humanos, avalia a movimentação da ministra e questiona a sociedade ser contra o aborto quando uma em cada cinco mulheres de até 40 anos realizaram um aborto em 2015.
“Queremos quadruplicar o sistema penitenciário só com mulheres ou aborto é uma questão de saúde pública?”, diz a pesquisadora.
CartaCapital: O que significa a movimentação de Rosa Weber?
Debora Diniz: Ela considerou que há algo de sério e importante na questão, porque ela poderia ter ignorado o pedido de liminar, dizer que não tem urgência. Tem processos que ficam dez anos parados no STF.
Ela poderia ter iniciado a movimentação em qualquer momento, mas ela escolheu fazê-lo em menos de um mês após a propositura, isso é um sinal da relevância do tema para a Corte.
CC: Isso pode significar uma possibilidade de avanço na legislação?
DD: Essa é a nossa expectativa e a do partido político com que fomos ao Supremo, aliás, importante ressaltar isso, que estamos movimentando todos os cenários da democracia para um tema de urgência para mulheres brasileiras.
Na última década, as decisões da Corte foram consistentes e houve uma serenidade para seu enfrentamento, como nos casos do aborto por anencefalia e de células tronco. Também houve a decisão de uma das turmas sobre o habeas corpus de uma clínica ilegal.
CC: Por que a criminalização do aborto precisa ser revista?
DD: Porque toca diretamente na dignidade da vida das mulheres. A criminalização atinge diretamente essa dignidade, fragiliza esse conjunto de direitos de mulheres, como não sofrer discriminação e maus tratos. É um dos princípios fundamentais da República.
CC: O que pede a liminar feita pelo PSOL e o Anis?
DD: Pede que se suspenda todos os processos penais em curso contra mulheres e profissionais, pede que mais nenhuma mulher vá para a cadeia. Não é que está liberado e as mulheres vão transformar o aborto em planejamento familiar, é para que ninguém vá para a cadeia.
CC: Quais mulheres serão mais impactadas se a liminar for aprovada?
DD: O aborto é um evento comum a todas mulheres mas, dada a desigualdade social, impacta mais a mulher comum, que é uma maioria que tem uma renda, cor, e escolaridade específicas. É a que tem baixa escolaridade, preta, parda, nordestina, dependente do Estado para ter acesso à saúde.
Uma em cada cinco mulheres, até os quarenta anos, fez aborto, mas o Estado retirar a ameaça da cadeia impacta essa parcela especialmente.
CC: O aborto é condenado pela população…
DD: Essa é uma constatação equivocada. Se uma em cada cinco mulheres em 2015 fez um aborto, temos meio milhão de mulheres. Essas mesmas mulheres vão dizer “não” se perguntadas sobre isso. Existe uma diferença entre a expectativa de resposta correta para uma pergunta que é moral.
É preciso saber que as perguntas importam, bem como as práticas. Essas pesquisas me dizem muito pouco sobre como queremos conversar sobre aborto.
CC: O que pode ser feito para melhorar esse diálogo?
DD: A primeira coisa é fazer as perguntas com base na realidade: 3 milhões e 700 mil mulheres que fizeram aborto têm filhos. Você acha que uma mãe tem que ir para cadeia? Queremos essas crianças sem mães? Queremos mais de 3 milhões de mulheres que em algum momento da vida já passaram pelo sistema penitenciário ou estariam presas atualmente? Queremos quadruplicar o sistema penitenciário só com mulheres ou aborto é uma questão de saúde pública? Uma mulher tem direito de decidir? É com base nessas perguntas que a opinião pública e Corte têm que decidir.
por Ingrid Matuoka