Antropóloga fala sobre a realidade de mulheres vítimas da zika no nordeste

10 de maio, 2016

(Notícias ES,  09/05/2016) As histórias dessas mulheres foram documentadas por Debora Diniz e transformaram-se em Zika, um filme de 30 minutos que será apresentado pela antropóloga no próximo dia 18 em Copenhague, na Dinamarca.

Em fevereiro deste ano, a antropóloga e documentarista Debora Diniz, 46 anos, recebeu um telefonema da Paraíba. Do outro lado da linha, a médica Melania Amorim se apresentava: “Debora, eu sou Melania, obstetra. Estou com 40 crianças com síndrome neurológica e não sei mais o que fazer. Eu preciso conversar”. Havia apenas um mês que Debora, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis — Instituto de Bioética, estava envolvida nos debates sobre a epidemia de zika, doença com 31.616 casos confirmados em 2016, segundo o boletim epidemiológico mais recente.

Leia mais:  Mães de bebês com microcefalia contam dramas, desafios e sonhos (Agência Brasil, 08/05/2016)

“Então, peguei um avião e fui.” O primeiro contato da cientista com uma doença sobre a qual pouco se sabe tinha sido durante uma reunião da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), quando foi convidada a integrar um comitê de especialistas para definir políticas públicas para as Américas. No momento do telefonema de Melania, uma árdua defensora do parto humanizado, Debora, porém, jamais havia conversado com as principais vítimas de uma epidemia que sumiu da agenda nacional, embora continue avançando sobre a população — especialmente a mais pobre.

Foi em lugares como Campina Grande e Juazeirinho que ela se deparou com a face real da doença. A zika é Amanda Loizy, Marina Leite, Alessandra Amorim, Ana Angélica Lima, Gessica dos Santos — mulheres da periferia e da zona rural paraibana que, como suas mães e avós, estão expostas ao mosquito Aedes aegypti, moram em locais onde o saneamento básico é precário e quase não têm acesso a políticas de prevenção e cuidados de saúde.

A zika também é Adriana Melo, especialista em medicina fetal, que estabeleceu pela primeira vez o vínculo entre a doença e a microcefalia, e que sofre com cada diagnóstico positivo das pacientes; é Melania Amorim, que segura forte a mão das mulheres que precisam interromper a gestação, devido ao risco de morte. A zika é Samuel, planejado, esperado com ansiedade, nascido com síndrome neurológica, amado pela família e entregue pelo Estado à própria sorte, pois não foi contemplado com nenhum benefício social; é Hávilla, bebê que também tem a síndrome, mora a 70km de Campina Grande e depende do carro da prefeitura para fazer fisioterapia duas vezes por semana, mas nem sempre consegue, porque às vezes o veículo está sem gasolina. A zika é o menino de Géssica dos Santos, que nasceu sem uma parte do cerebelo e morreu no dia seguinte, na UTI, e cujo guarda-roupa com macacõezinhos, luvas e sapatinhos, caprichosamente organizado, ainda não foi desmontado, porque dá alento à mãe.

As histórias dessas mulheres foram documentadas por Debora Diniz e transformaram-se em Zika, um filme de 30 minutos que será apresentado pela antropóloga no próximo dia 18 em Copenhague, na Dinamarca, durante o evento Women Delivery, a maior conferência mundial sobre a saúde da mulher. “Ter visto e conversado com elas e ter conseguido enquadrar a epidemia com o rosto delas mudou minha perspectiva”, afirma. “Fazer um filme com mulheres nordestinas é uma covardia, porque elas são contadoras de histórias.”

Desigualdade social
O zika nos atemoriza porque põe em evidência a fragilização das mulheres e das meninas da região. Quando falamos que 72%, segundo o último boletim epidemiológico, das crianças nascidas com a síndrome neurológica estão em quatro estados, que são Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, falamos de como a desigualdade social afeta diferentemente os grupos de mulheres. É só no sentido confortante da epidemiologia que nós vamos dizer que todas as mulheres estão em risco para a epidemia. Não é verdade. Quando o filme mostra quem são elas — o rosto, a cor, a região, a classe social — a gente diz que a epidemia tem cor, região, classe… O primeiro desafio que o filme traz é mostrar o seguinte: a epidemia exige que nós coloquemos as mulheres no centro das políticas de saúde. A gente fica falando do mosquito, mas essa é só uma parte.

Planejamento familiar
A gente tem de falar agora de planejamento familiar e aborto. O que está por trás do filme é isso. O aborto está ali, sem ser gritado. Por que ele não está no filme? Porque ali era a primeira geração de mulheres, que descobriram com a ciência que o zika causa a síndrome neurológica. É importantíssimo falar que não é microcefalia, é síndrome neurológica associada ao zika. A microcefalia é só um dos sinais. O corte que está sendo estudado em Pernambuco mostra que essas crianças com 6 meses não se alimentam, precisam de sonda, têm convulsão… O que você vê agora, nas estimulações de bebês de 6 meses, são as mães chegando e dizendo: “Olha como ele está bem!”. E a fisioterapeuta dizendo: “Não, mãe, com essa idade, ele já tinha que olhar, querer pegar, e ele não está fazendo isso”.

Agenda
O zika sai de pauta em fevereiro. A crise política entra, e nós não falamos mais de zika. Nos meses anteriores, o que falávamos era sobre eliminar o mosquito, e não é assim que a saúde pública se move. Nós nunca falamos seriamente das mulheres. Por que o Brasil está enfrentando errado? Porque não colocou no topo da agenda. Nós nunca tivemos na história da medicina uma epidemia com essa potencialidade de transmissão Primeiro, é um vetor que voa. E pense na epidemia de HIV/Aids: era sexual. O zika também. Transfusão de sangue: o zika também. Amamentação: também. Sangue e urina? Sim. O que nós sabemos, fora o mosquito, sobre risco de transmissão vertical? Nada. O CDC (Center of Diseases Control) americano sugere seis meses de relação sexual protegida para o homem que deseja ter filhos após a infecção. Para a mulher, 10 semanas. É uma magnitude de prevenção gigantesca. E, no Brasil, nada. O protocolo de enfrentamento para microcefalia brasileiro, que sequer foi atualizado para síndrome neurológica, ignora que se converse sobre saúde reprodutiva como prevenção.

Importância da prevenção
Como seria a política de prevenção? A inclusão do repelente, que custa em torno de R$ 100 para as mulheres, porque as grávidas não podem usar qualquer repelente. O único método de prevenção para a mulher que queira engravidar agora é o repelente. Porque não podemos conversar de não engravidar como política populacional. Você tem uma mulher que está no limite da idade reprodutiva, você tem as histórias individuais. Isso não é política de saúde séria, isso não existe. Não há como ter zero fecundidade. Outra forma de prevenção é o acesso à informação. Saber qual é o tipo de mosquito, que temos picos do mosquito e que são medidas preventivas frágeis. A terceira coisa dentro de política séria é para aquelas que não querem engravidar.

Fonte Correio Braziliense

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