Cientistas elaboram explicações para efeitos neurológicos da zika

17 de abril, 2016

(Folha de S.Paulo, 17/04/2016) Nas últimas semanas, a taxa de crescimento dos casos de microcefalia arrefeceu, o que indica que o pior do primeiro e impactante surto brasileiro de zika já deve ter passado. De saldo para a ciência biomédica ficam poucas certezas e muitas dúvidas, especialmente os mecanismos pelos quais o vírus direta ou indiretamente consegue agredir células nervosas.

O surto que pegou de surpresa o país e o mundo deixou pelo menos 1.113 casos de microcefalia. Se a taxa de confirmação se mantiver, serão ao menos 2.500 casos de crianças com a má-formação.

Leia mais:Vírus zika simplifica o cérebro (O Globo, 16/04/2016)

Já parece ruim, mas pode ser somente a ponta do iceberg: há mais complicações neurológicas do que a microcefalia, que pode ser considerada um problema mais extremo. Outros achados incluem calcificações, alargamento de cavidades cerebrais e até problemas oculares que podem causar cegueira.

Uma das maneiras pelas quais o vírus da zika pode atrapalhar o organismo é interferindo na função de retrovírus endógenos –que foram há muito incorporados ao nosso genoma e que hoje somam cerca de 8% do total do DNA humano–, explica Augusto Penalva, diretor do Grupo de Pesquisa em Neurociências do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Os retrovírus endógenos assumiram funções como a de promotores de crescimento celular. Ou seja, sem um no caso de defeito, as células poderiam deixar de se multiplicar ou de migrar para a região correta do encéfalo, provocando más-formações. Segundo essa hipótese, os casos mais graves dessa briga de vírus poderiam gerar quadros de microcefalia.

A pesquisa brasileira foi pioneira ao descrever as alterações oculares em bebês decorrentes da infecção congênita pelo ZIKV (vírus da zika), além de sua capacidade de infectar e “se esconder” na placenta –ampliando o tempo de permanência no organismo de mulheres grávidas.

Essa liderança também despontou na pesquisa com minicérebros –elaborados modelos in vitro do órgão humano–, do cientista da UFRJ Stevens Rehen. O vírus da zika tem potencial para atazanar as células de forma que a perda neuronal se torna um cenário mais que provável.

NEUROTRÓPICO

As evidências apontam para a característica neurotrópica do vírus, ou seja, o fato de que ele tem uma afinidade química, molecular, por células nervosas. Dentro da célula, usurpando seus recursos, o promissor futuro de um neurônio (ou de uma célula-tronco progenitora) é apagado.

Curiosamente, as explicações para o dano neurológico do ZIKV começaram a surgir bem antes do surto de microcefalia. Um estudo inglês de 1971 já havia mostrado a capacidade desse vírus para atacar neurônios em fetos de camundongos. À época, seria impossível para os autores imaginar que o assunto fosse voltar à tona com tanta força.

Na pesquisa inglesa foi mostrado que o vírus também é capaz de atacar células da glia, que servem de arcabouço para os neurônios e criam condições para que funcionem adequadamente. Outra possível sabotagem indireta causada pelo ZIKV é a reação inflamatória desencadeada por glóbulos brancos na presença do agente. O organismo não funciona adequadamente e pode até lesar o tecido nervoso.

É possível que mais de um desses mecanismos danosos do vírus da zika operem simultaneamente e ainda que se retroalimentem.

Com a comoção global, já proliferam trabalhos científicos em diversos países, inclusive alguns que associam o vírus a outras doenças neurológicas, como a paralisante síndrome de Guillain-Barré e a encefalomielite aguda disseminada (Adem).

Nos exemplos, trata-se de um tropeço da natureza: em vez de fabricar um anticorpo que ataque somente o ZIKV, o organismo faz um que ataca a bainha de mielina, capa que reveste axônios, os longos braços de neurônios que permitem uma rápida transmissão do impulso nervoso. Sem essa capa, a informação passante acaba sendo deteriorada rapidamente.

Atacar o sistema nervoso, no entanto, não é prerrogativa exclusiva da zika. Outras arboviroses (doenças transmitidas por artrópodes, como os mosquitos aedes), a exemplo da dengue e da encefalite japonesa, também têm característica neurotrópica.

Gabriel Alves

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