Em 2024, negativa do acesso ao aborto legal por uma menina de 13 anos em Goiás teve repercussão nacional.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu por unanimidade, em sessão do Plenário Virtual encerrada em 16 de maio de 2025, instaurar processo administrativo disciplinar (PAD) contra a juíza Maria Socorro de Souza Afonso da Silva, da Vara da Infância e Juventude de Goiânia, e contra a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). A decisão, proferida sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, atende a representação feita por entidades que apontaram violação de direitos de meninas vítimas de violência sexual.
No caso da juíza Maria Socorro, o Conselho determinou seu afastamento cautelar da jurisdição especial até a conclusão do PAD, com designação para atuar em outra vara. Já a desembargadora Doraci Lamar responderá ao processo sem afastamento de suas funções.
Em 24 de junho, a magistrada autorizou a interrupção da gravidez de uma menina de 13 anos, engravidada aos 12, mas impôs uma restrição à realização da assistolia fetal — técnica necessária para o procedimento — com base em uma resolução do Conselho Federal de Medicina que, à época, já estava suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal. Ao determinar que o aborto ocorresse “com proteção ao nascituro”, a juíza, na prática, inviabilizou a realização do procedimento.
“Fica proibida a utilização de procedimento ou de qualquer outro método que induza a morte do nascituro, salvo comprovado risco de vida para a adolescente”, determinou a juíza em sua decisão.
Três dias depois, em 27 de junho, a desembargadora Doraci Lamar concedeu liminar suspendendo integralmente o aborto, após pedido do pai da criança — acusado de omitir e relativizar os abusos sexuais sofridos pela filha. Ele alegou que os atos teriam sido “consensuais”, ignorando o artigo 217 – A do Código Penal, que considera estupro de vulnerável qualquer ato sexual com menores de 14 anos, independentemente de consentimento.
Votaram pela instauração dos processos os conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Ulisses Rabaneda, Marcello Terto e Rodrigo Badaró. Os conselheiros Caputo Bastos e Daiane Nogueira de Lira não votaram.
Após a denúncia se tornar pública e diante da forte mobilização social, o direito foi finalmente assegurado. “Para nós, daqui de Goiás, é uma grande vitória. Foi uma peleja danada para garantir o direito da menina. A decisão do CNJ é uma grande conquista porque não aceitamos mais violências contra crianças, muito menos violências institucionais decorrentes de sentenças de juízas e magistradas”, afirmou ao Catarinas a psicóloga Cida Alves, coordenadora do feminista ‘Bloco Não é Não.
As decisões do TJGO seguem um padrão identificado em outros estados, como Piauí e Santa Catarina, em que o aborto legal é impedido com base em disputas familiares artificiais ou fundamentos jurídicos controversos. Casos assim evidenciam a atuação do sistema de justiça em desacordo com os direitos das crianças, contrariando a legislação penal e normas de proteção integral.