Bancada religiosa quer barrar possibilidade de interrupção da gravidez nos 3 primeiros meses
(O Globo – 01/01/2017 – acesse no site de origem)
O entendimento do ministro Luís Roberto Barroso de que o aborto nos três primeiros meses de gravidez não é crime — vitorioso numa das turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) — está com os dias contados. Ao menos numa comissão instalada na Câmara dos Deputados. Com discursos em defesa da família, de que o aborto é crime e de que assim deseja a sociedade, parlamentares ligados a setores católicos e evangélicos prevalecem, com amplíssima maioria, na comissão especial que vai votar uma mudança constitucional no sentido contrário à decisão da primeira turma do STF, do final de novembro. Esse grupo domina todos os principais cargos desse colegiado: presidência, três vices e a relatoria.
A comissão foi instalada no último dia 7, e, dos 34 integrantes, 29 já foram indicados. Destes, 25 parlamentares, pelo menos, querem derrubar o entendimento do tribunal. São contrários ao aborto. Essa comissão, que conta com só três parlamentares do sexo feminino, foi criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no calor da decisão do STF e na madrugada da sessão, em novembro, que desfigurou as dez medidas de combate à corrupção. Naquela noite, o presidente da Câmara foi pressionado por parte desses deputados, que usaram seus discursos para atacar o Supremo.
Para viabilizar o contra-ataque ao tribunal, e como precisavam de uma medida que tenha poder de alterar a Constituição, usaram como pretexto uma proposta de mudança constitucional que estende a licença-maternidade em caso de nascimento prematuro à quantidade de dias que o recém-nascido passar internado. Esse projeto foi apresentado em 2011, pelo deputado Doutor Jorge Silva (PDT-ES). Mas, no debate, esses deputados vão incluir no texto que aborto, em qualquer período da gravidez, é crime. E, assim, pretendem desfazer a decisão do STF.
O deputado Evandro Gussi (PV-SP) vai presidir. Ele foi o relator de projeto do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ ) que restringia os casos de aborto e acrescentou no seu relatório a exigência de boletim de ocorrência para que vítimas de estupro fossem atendidas nos hospitais. O relator será Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que disse ser preciso estar atento para “o que as ruas estão falando, olhando para a vida”. Na sessão, os deputados já entravam no mérito.
— O STF, todos respeitamos. Mas, quando decidiu pela legalidade da interrupção da gravidez até o 3º mês, transformou-se, em vez de guardião da Constituição, em um algoz e um inimigo da Constituição — afirmou Gussi.
João Campos (PRB-GO), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, esteve no comando dessa mobilização. Foi ele quem procurou Rodrigo Maia e “cobrou” que a Câmara desse uma resposta ao STF.
— O Supremo mais uma vez toma uma atitude de ativismo judicial exacerbado. Ele usurpa o papel dessa Casa, altera a Constituição e contraria a sociedade brasileira. Foi infeliz essa decisão — destacou Campos.
Integrante da mesa que comandará a comissão, a deputada Geovânia de Sá (PSDB-SC), segunda vice-presidente, já antecipou ser contra a decisão do STF.
— Todos nós, um dia, tivemos três meses na barriga da nossa mãe. E tivemos o direito de vir à vida. E que todas as crianças tenham esse direito garantido. Se perguntarmos a um bebê que está na barriga… Todos querem — disse Geovânia.
Esses parlamentares de segmentos religiosos são itinerantes e estão sempre juntos em espaços que discutem temas que envolvam conceitos de família, direitos de minorias e, mais recente, a política nas escolas. Muitos deles estiveram juntos e venceram, na aprovação em comissão do Estatuto da Família, que prevê núcleo familiar composto apenas por homem e mulher. Juntos, atuam contra avanços nas relações homoafetivas. E, também juntos, estão na comissão da Escola Sem Partido, que discute a inclusão na grade escolar o respeito às “convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar”.
Também do comando dessa comissão, o deputado Flavinho (PSB-SP), comunicador católico da rede Canção Nova há mais de 20 anos, diz que o grupo se une mesmo nesses assuntos.
— Quando a temática passa por questão ideológica, normalmente bandeiras defendidas do nicho religioso, e no sentido contrário pela esquerda, estamos unidos. Fomos eleitos de forma legal e estamos ali para defender esses valores, o que a sociedade, na sua maioria, defende — disse Flavinho, que também foi relator do Escola Sem Partido e esteve na do Estatuto da Família. — Tem excessos dos dois lados. Não só da esquerda. Tem uma fala de um grande santo que diz que a virtude está no meio. Transito bem com a esquerda, tenho excelente relação com Glauber (deputado Glauber Braga, do PSOL-RJ), com o próprio Jean (Wyllys, do PSOL-RJ). Divergimos diametralmente em muitos temas, igualmente com os da direita. Meu papel, como relator, é ouvir a todos.