Equipe médica se nega a fazer aborto autorizado em mulher com câncer

31 de outubro, 2024 Metrópoles Por Jade Abreu

Com risco de morrer, paciente tinha de interromper gestação para dar sequência a tratamento. Aborto havia sido autorizado pela Justiça do DF

Ana (nome fictício) havia sido diagnosticada com câncer em estágio avançado quando descobriu que estava grávida. Contudo, o tratamento de quimioterapia, fundamental para a recuperação da paciente, não poderia ser feito durante gestação. Sob risco de morte diante do avanço do quadro, ela entrou com pedido de interrupção legal da gravidez no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que considerou a situação grave e emitiu parecer favorável.

Aos 29 anos, Ana lidava com um câncer avançando, enquanto tinha dois filhos pequenos para criar e lidava com uma nova gravidez. Até a data marcada para a interrupção da gestação, ela enfrentou dilemas internos, o jejum do pré-operatório e os exaustivos trâmites legais necessários ao aborto.

Em meio a esse cenário, ela se preparou para passar pelo procedimento no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), com oito semanas e três dias de gravidez. No entanto, uma nova etapa tornou a situação mais crítica: a equipe médica se recusou a efetuar o procedimento, sob alegação de “objeção de consciência”.

A justificativa se baseia em um direito constitucional que garante a qualquer cidadão não precisar agir diante de situação que fira a própria crença religiosa ou convicção filosófica e política.

Esse direito, porém, esbarra em outro: o de Ana passar pelo aborto legal e dar sequência ao tratamento contra o câncer. Na prática, a gestante se viu dependente de uma decisão da equipe médica sobre qual vida valeria mais.

“Esse não é nem um dilema. A própria legislação brasileira estabelece [autorização para] o aborto em casos de risco de morte à mulher. A vida da gestante é prioridade nesse tipo de caso”, destaca o chefe do Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Saúde e defensor público Márcio Del Fiore. “É preciso haver a substituição imediata [dos profissionais], para garantir o direito ao procedimento.”

A negativa ocorreu em 23 de agosto de 2024. Ana recorreu e, quatro dias depois, conseguiu passar pela interrupção gestacional prevista em lei. No entanto, enfrentou inúmeros constrangimentos para conseguir ser assistida.

O caso foi repassado à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que encaminhou a denúncia à Secretaria de Saúde (SES-DF). “Só por negarem o direito há um constrangimento. A substituição [da equipe nesse caso] tem de ser imediata, porque, se a mulher morrer, o médico também pode responder por omissão de socorro”, continuou o defensor público.

No ofício enviado à SES-DF, a comissão da CLDF enfatizou que Ana se encontrava em condição de vulnerabilidade no momento da negativa: “[Ela passou por] diversos constrangimentos, sucessivos momentos de jejum pré-operatório e questionamentos que responsabilizavam a paciente em uma situação clínica e psicossocial extremamente vulnerável, acarretando impactos biopsicossociais significativos”.

A denúncia indagou, ainda, sobre o descumprimento da medida judicial e a “alegação infundada de objeção de consciência”. “É vedado à instituição se recusar a executar procedimentos que satisfaçam necessidades de saúde. Nesse sentido, questionamos quais providências a SES-DF prevê nessas situações, considerando que toda a equipe de anestesiologistas se recusou a atuar no caso”, cobrou o documento.

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