Especial Camisinha Feminina: as mulheres no controle da proteção

15 de setembro, 2016

Camisinha é autonomia para gozar sem deixar de cuidar da saúde

(Catarinas, 15/09/2016 – acesse no site de origem)

Andar munida de camisinhas nem sempre é garantia de sexo seguro para as mulheres. Há ainda a negociação com o parceiro na hora de usar. Não rara, a resistência dos homens tem motivos comuns: o preservativo aperta, interfere na ereção e na sensibilidade, ou ainda o seu tamanho não corresponde ao do pênis. Antes de o preservativo masculino cortar o clima como muitos afirmam, é a própria oposição deles ao uso que deveria tirar o desejo das mulheres, afinal elas correm riscos duplos. Sujeitas a uma gravidez não planejada, são mais propensas a contrair o HIV. Mais que uma opção, a camisinha feminina é o único método que dá à mulher o controle da proteção para gozar sem descuidar da saúde e dos projetos de vida. É também uma resposta de amor ao corpo que exige conhecimento sobre ele e empoderamento para vencer a carga de estereótipos relacionados ao uso. Esse é o primeiro capítulo da Série Especial Camisinha Feminina.

A subutilização da camisinha feminina revela um fato ligado ao histórico controle da sexualidade das mulheres: a decisão sobre a proteção (e sexo) ainda está concentrada nas mãos dos homens. Enquanto camisinhas masculinas estão disponíveis para venda em quase todos os estabelecimentos comerciais, a versão feminina não é encontrada nem mesmo em farmácias. Acessá-la gratuitamente nos postos de saúde também não é simples. Mas, por que a camisinha íntima não ganhou a simpatia do seu público mais interessado? A se levar em conta que a maioria das mulheres nunca ousou experimentá-la, a resposta pode estar envolta em um círculo vicioso entre falta de informação e de acesso.

O preconceito em relação à estética do preservativo e o receio de introduzi-lo no próprio corpo são alguns dos tabus que formam uma barreira entre as mulheres e a versão específica para o público feminino. A raiz da subutilização se explica mais pela desigualdade de gênero do que pelas dificuldades no uso, como acredita Katia Souto, responsável pela implantação do preservativo feminino no Brasil, em 2001, pelo Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde. Ela defende que a camisinha dá autonomia para mulheres na medida em que facilita o uso e impacta no cuidado com a saúde sexual e reprodutiva.

“O primeiro desafio é a mulher conhecer seu corpo, aprender a manusear e superar preconceito de se tocar. O segundo é o sentimento de empoderamento, a autonomia dela em dialogar e negociar o uso junto a seu parceiro. O terceiro é inserir o prazer além da prevenção”, afirma a ex-assessora técnica do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Massageia o clitóris

A camisinha feminina não só amplia as possibilidades de proteção pela resistência e cobertura da região dos lábios vaginais, como pode garantir maior prazer por massagear o clitóris. Ela não “corta o clima” e exige ereção, como a masculina, e pode ser colocada antes da penetração, ainda nas preliminares. Apesar de não haver estudos clínicos que confirmem a eficácia do preservativo feminino na prática do sexo oral e anal, muitas vezes ele é usado. É indicado também pelo Ministério da Saúde para relações sexuais entre lésbicas.

No pacote de benefícios destaca-se o principal: a versão feminina dá às mulheres as rédeas sobre a proteção. Talvez por isso, sua propagação não interesse a uma sociedade que ainda controla o corpo das mulheres, conforme analisa a advogada Carla de Avellar Lopes.

“O uso da camisinha feminina é um passo importantíssimo na autonomia da mulher. Já me já ajudou em relações em que o cara tinha dificuldade de manter a ereção com camisinha masculina e foi fundamental pra me sentir mais segura em largar o anticoncepcional. Foi simbólico”, revela a jovem de 24 anos.

Falta Costume

Carla decidiu parar de tomar pílula anticoncepcional, depois de cincos anos de uso ininterrupto, em busca de um método que não impactasse negativamente na sua saúde. Desde então, passou a usar a camisinha feminina – com mais frequência quando ainda estava solteira. Numa relação estável há dois anos, a advogada diz que faz uso alternado das versões feminina e masculina.

“Tem muito cara que não aceita. Eles não acham esteticamente atraente ter um saquinho pendurado da sua vagina. A gente aceita camisinha masculina porque já usou várias vezes e sabe tirar e por de olhos fechados. O estranhamento é pela falta de costume”, assegura.

O namorado adaptou-se tanto que passou a sentir mais sensibilidade com o método feminino. A advogada, no entanto, alerta que é preciso cuidado no uso para manter a proteção. “Tem que estar sempre atenta, porque o preservativo sai do lugar, e às vezes expõe parte da vagina, se der bobeira deixa escorrer o esperma.”

A regularidade no uso só é possível porque a advogada recorre a organizações como a Associação em Defesa dos Direitos Humanos com Enfoque na Sexualidade (Adeh) e o Arco-Íris Direitos Humanos, onde a distribuição é gratuita. “Nas poucas farmácias em que havia camisinhas, elas estavam escondidas. Encontrei um pacote com duas unidades pelo valor de R$ 12. Recusei-me a comprar”,  relata.

Aversão masculina

A resistência do parceiro no uso do preservativo masculino é um dos principais motivos que levam mulheres a buscarem a versão feminina, como afirma Simone Martins, coordenadora de projetos da Semina, importadora e distribuidora da camisinha Della.

“A camisinha trouxe grandes benefícios, permite que seja colocada antes da penetração, não dependendo da ereção, que é um dos principais motivos de resistência dos homens. Quando a mulher tem um método que ela domine e possa oferecer, a negociação é mais fácil do que exigir que o parceiro vista a camisinha masculina”, afirma.

Ela destaca ainda que diferente do que acontece com a masculina, a feminina não precisa ser retirada imediatamente ao ato e, por ter um diâmetro maior, não aperta o pênis – outra reclamação comum dos homens.

A.S.C, 24 anos, estudante da UFSC, passou a usar a camisinha feminina, depois de uma experiência traumática: engravidou de forma indesejada e contraiu uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). A entrevistada conta que começou a transar com 16 anos sem ter conhecimento sobre o próprio corpo. Suas referências de sexualidade se restringiam a filmes pornô. “Logo engravidei e peguei uma DST (ou IST), mesmo que tenha me curado, entendi que podia ter contraído HIV. Depois disso nunca mais quis transar sem camisinha. Os caras nunca tinham e eu acabava não transando”, conta. A. não se expôs mais. Passou a andar munida com preservativos masculinos que coletava nos postos de saúde. Para sua decepção, ter a camisinha em mãos não garantia sua proteção.“Eu sempre tinha camisinha, mas não adiantava. Eles reclamavam do tamanho, da marca, e até mesmo de ser eu que estava com a camisinha, como se isso não fosse meu papel. Foi aí que resolvi pensar em mim, e usar algo que eu me sentisse segura, independente deles. Foi bem incômodo inicialmente por não ter prática. Mas era isso ou nada”, relata.

Como usar? 

No vídeo abaixo, a enfermeira sanitarista Carmen Lucia Luiz explica como usar a camisinha feminina. Ela também defende o uso. “A camisinha é tão boa quanto a masculina. A grande diferença é que ela dá autonomia para a mulher que passa a não depender da parceira ou parceiro. A mulher usa autonomamente”, assegura.

Carmen, que também é conselheira do Conselho Nacional de Saúde, alerta que muitas doenças não se manifestam nos homens, isso não quer dizer que eles não sejam portadores de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) ou HIV.

“Camisinha feminina é um instrumento de autonomia para estarmos ligadas no sexo seguro”, afirma.

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