(Folha de S.Paulo, 27/06/2016) E se a gestante pudesse tomar um remédio contra os efeitos da zika? É com essa pergunta em mente que cientistas da Universidade da Califórnia em San Francisco (EUA) realizaram um estudo para entender como o vírus da zika passa da mãe para o bebê e como a infecção pode ser evitada.
“A nossa motivação para esse trabalho é o ônus devastador que o vírus da zika tem levado à população brasileira e à do mundo todo”, diz uma das autoras do estudo, Hanna Retallack.
Hanna faz parte de um time interdisciplinar de pesquisadores que se juntaram para lidar com a alarmante situação de saúde pública causada por esse vírus. Juntos, eles identificaram como o vírus passa da mãe para o bebê pelas células da placenta, e como as células-tronco neurais do feto são particularmente suscetíveis ao vírus durante o primeiro e o segundo trimestre de gestação.
O que as células da placenta e do cérebro do bebê têm em comum é um receptor, uma “porta de entrada” para a célula, chamado AXL, que permite a entrada do vírus –quando o receptor é bloqueado, não há infecção.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram tecidos de diferentes idades infectados pelo vírus da zika, criando um mapa temporal mostrando o rastro de devastação do vírus, passando da mãe para as células-tronco neurais do feto através da placenta.
Uma vez determinados o tipo das células infectadas e o receptor presente, um simples experimento usando anticorpos que bloqueiam o receptor foi suficiente para confirmar que o vírus usa essa molécula como porta de entrada na célula.
O mais curioso no estudo é que os cientistas mostram como o antibiótico azitromicina bloqueia a proliferação do vírus, protegendo as células do efeito devastador do vírus da zika. Embora o exato mecanismo para essa proteção seja desconhecido, é sabido que antibióticos da mesma classe têm uma ação similar contra o vírus da dengue e da febre amarela.
Como o antibiótico já é aprovado para uso até mesmo em mulheres grávidas, a opção ganha ares de promissora para o tratamento da doença. “Essa descoberta é extremamente importante porque ela pode mudar como mulheres grávidas expostas ao vírus são tratadas clinicamente, e essa é a nossa motivação para publicar o nosso trabalho numa plataforma de acesso aberto”, diz Arnold Kriegstein, um dos líderes da pesquisa. O trabalho está disponível on-line no repositório bioRxiv.
Apesar da facilidade de implementação, “os resultados ainda são experimentais e não foram testados clinicamente, mas queremos que os médicos saibam que eles existem, devido à urgência da situação”, diz Elizabeth Di Lullo, outra autora do estudo.
Mesmo com o grande progresso no entendimento da relação entre zika emicrocefalia, a estratégia do vírus para entrar nas células revela-se cada vez mais complexa.
Estudos voltados para um tratamento que reduza ou suprima qualquer efeito do vírus da zika em fetos podem ser a solução para essa doença. “Espero que nossas descobertas ajudem outros pesquisadores a procurar medicamentos e vacinas para acabar de vez com essa epidemia”, conclui Hanna.
Carlos Eduardo Lima da Cunha
Colaboração para a folha
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