Famílias denunciam falhas na rede de saúde para ‘filhos da zika’

08 de julho, 2017

Prestes a completar dois anos do surto de síndrome da zika congênita, sobram críticas ao Sistema de Saúde

(Diário do Nordeste, 08/07/2017 – acesse no site de origem)

Desde outubro de 2015, quando nasciam as primeiras crianças com a síndrome da zika congênita (na época chamada de microcefalia associada ao vírus zika) no Brasil já se falava da necessidade de reestruturação da rede de saúde pública para garantir não só a reabilitação, como também a vida desses pequenos. De lá pra cá, o Ministério da Saúde registrou dois surtos e uma queda vertiginosa dos casos, em 2017, no entanto, as reivindicações de familiares e médicos permanecem vivas.

Em Juazeiro do Norte, Claudia de Oliveira viu a vida se modicar desde que o filho Carlos Miguel, de um ano e sete meses, nasceu. O menino, diagnosticado com a síndrome da zika congênita, precisa do sistema público de saúde. Muitas vezes, o que há é ausência. “A situação está precária. Transporte não tem. Eu antes viajava até de avião para levar meu filho para Fortaleza. Este ano não consegui levá-lo ao mutirão do Caviver (Centro de Aperfeiçoamento Visual Ver a Esperança Renascer). Meu filho está precisando muito de um oftalmologista e aqui não tem”, reclama ela que tem que viajar pelo menos de dois em dois meses para acompanhamento no Hospital Sarah e para realização de exames de especialidades. A dificuldade permanece no deslocamento duas vezes por semana à Policlínica para a reabilitação.

Claudia diz que o suporte que recebia antes, quando se falava mais sobre microcefalia, não é o mesmo. O abandono que a auxiliar de serviços gerais sente é o mesmo sentimento de Eron Carvalho, 36 anos, mãe de Clarice. A pequena não completou nem dois anos, mas já passou por 21 procedimentos cirúrgicos. Eron se dedica à sua terceira filha integralmente. Mas sente que Estado e Município estão devendo o suporte necessário às famílias vítimas do zika.

“O Estado fez um puxadinho nas policlínicas para atender essas crianças. Nunca houve o interesse de criar um Núcleo de Estimulação Específico. Aqui na Policlínica de Barbalha, as crianças podem receber o atendimento. Em Crato, tem que ir para Campos Sales, que é mais distante. O trajeto que elas fazem para ir e voltar é muito estressante. Temos em média 30 crianças na fila de espera para iniciar o tratamento lá. Só que, para uma criança entrar, outra deve receber alta. Mas, sabemos que elas devem seguir em tratamento pelo resto da vida”, aponta.

Eron e Clarice fazem parte das 163 crianças com diagnóstico confirmado de síndrome da zika congênita no Ceará, de 2015 até agora. Outras 33 são casos prováveis. Em 2017, segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), cinco casos foram confirmados, dois são prováveis e 124 estão em investigação. Os números da doença reduziram, mas o acesso não melhorou.

Faltam especialistas

Um dos médicos de referência no assunto, o neurologista e neurogeneticista André Luiz Santos Pessoa, do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), revela sua preocupação. “As famílias estão literalmente órfãs”. Ele aponta a dificuldade de realização de exames especiais, como videofluoroscopia e videoendoscopia da deglutição e o BERA, como entraves no cuidado a essas crianças. “São poucas as que conseguiram fazer esses exames. No entanto, entraram no protocolo do Ministério da Saúde”, explica.

O neuropediatra relaciona até o número elevado de óbitos no Estado em decorrência da malformação a dessa deficiência estrutural. “O HIAS atende 110 casos confirmados/prováveis de zika congênita. Mas, infelizmente, muitas crianças faleceram. Já está em torno de 20 a 30 crianças que faleceram. A principal causa do óbito é a dificuldade de deglutição. Elas aspiram, pegam pneumonia aspirativa e morrem. Poderíamos evitar se conseguíssemos fazer os exames e avaliação da fonoaudióloga para gastrostomia”.

Faltam pediatras e profissionais especializados para o trabalho e para essa reestruturação da rede de saúde pública pediátrica no Estado. “São gargalos em relação a essa questão da rede para além da estimulação precoce. É um problema de saúde que precisa ser enfrentado. Temos poucos cirurgiões pediátricos, poucas salas cirúrgicas e de exames de imagem, poucos aparelhos. Já existia esse gargalo também . A zika congênita só aumentou essa demanda que já era deficitária”, pontua o infectologista pediátrico Robério Leite, do Hospital São José.

Apesar da crítica, o infectologista pondera que a resposta dada pelo Ceará na oferta de serviço de estimulação precoce foi rápida e interessante. “Houve uma sensibilidade que criou uma rede com vários centros no Interior. A ideia é que isso abre também para que outras crianças com situações semelhantes, com outras infecções congênitas. Houve um ganho não só para crianças com microcefalia”.

Descentralização

Para a supervisora do Núcleo de Saúde da Mulher, Adolescente e Criança da Sesa, Silvana Napoleão, a estrutura montada pelo Ceará para a atenção à criança com síndrome da zika congênita é referência no País. Ela explica que foram montadas duas estratégias: do diagnóstico, que acontece nas policlínicas de macrorregionais, no HIAS e no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar; e de reabilitação, com centros implantado em 19 policlínicas do Estado, numa rede de atenção descentralizada. “Essa estratégia de descentralização foi inovação em relação aos outros estados, que concentram os serviços nas capitais”.

Silvana assente que existe a dificuldade de profissionais especializados. Ela arma que não existe neurologista em todas as policlínicas, mas arma que é uma realidade de todo o Nordeste. Para vencer isso e a falta de recursos para alta complexidade, o foco do trabalho para 2017 é, de acordo com ela, capacitar a tenção primária para o trabalho qualificado junto às famílias. “Precisamos sensibilizar também os gestores municipais, que estão no consórcio das policlínicas e podem estar mais próximos a essas famílias”.

Karine Zaranza

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