(Nexo, 06/07/2016) No Brasil, interesses privados parecem orientar as estratégias de combate ao Aedes aegypti.
Recentemente aprovada por meio de uma nova lei, a pulverização aérea de pesticidas para controlar as populações de Aedes aegypti é pouco eficaz e traz riscos à população. Na melhor das hipóteses, significa trocar um problema de saúde pública por outro, além de impactar o meio ambiente.
O presidente interino, Michel Temer, sancionou na semana passada a Lei 13.301/2016, que dispõe sobre medidas de controle do Aedes aegypti, mosquito transmissor dos vírus da dengue, da zika e da febre chikungunya. Dentre as medidas que constam nessa lei está a permissão do uso da pulverização de pesticidas por meio de aeronaves em áreas urbanas.
Estudos têm mostrado cada vez mais os impactos dos pesticidas na saúde pública e no meio ambiente, mas a regulamentação desses compostos tóxicos e potencialmente cancerígenos é ainda muito deficiente no Brasil. Não à toa, o Brasil é o maior importador de pesticidas do mundo. Muitas empresas estrangeiras vendem seus pesticidas exclusivamente para o mercado brasileiro, porque eles já foram banidos em seus países de origem. O mercado dos pesticidas no Brasil é sustentado pelo poderoso lobby do agronegócio, que só perde para as empreiteiras em doações para campanhas políticas. Além disso, a bancada ruralista já ocupa uma parcela representativa do Congresso e tem crescido a cada nova eleição. Assim como os casos de pessoas contaminadas por agrotóxicos, que quase triplicou desde 2007.
Contraditoriamente, a proposta de liberar o uso de aviões agrícolas para pulverização de pesticidas em áreas habitadas não partiu de nenhum órgão ou segmento ligado à saúde pública – pelo contrário, foi rechaçada por esses. A sanção da nova lei é fruto de pressão do Sindag (Sindicato Nacional de Empresas de Aviação Agrícola), que vem sugerindo a pulverização aérea para controle de epidemias há pelo menos uma década. Isso levanta suspeitas de que o interesse principal por trás dessa nova lei é aumentar o lucro dos setores ligados ao agronegócio, e não ao combate às epidemias propriamente dito.
EMBORA NÃO MUITO EFICAZES NO CONTROLE DOS FOCOS DE MOSQUITOS VETORES DE DOENÇA, OS PESTICIDAS SÃO MUITO TÓXICOS E NÃO AFETAM SOMENTE AS ESPÉCIES-ALVO.
Diversos órgãos, inclusive o próprio Ministério da Saúde, se manifestaram contrariamente à liberação da pulverização aérea de pesticidas como estratégia para combate de mosquitos vetores de endemias, mesmo que em situação emergencial. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), referência em pesquisas na área de saúde pública no Brasil, também manifestou repúdio à liberação. Esses órgãos embasaram suas posições em questões técnicas e científicas.
Em longo prazo, a eficácia da pulverização aérea é baixa, e Darwin provavelmente suspeitaria disso mesmo há mais de 150 anos. Aplicar pesticidas tende a selecionar os mosquitos resistentes, que sobrevivem, se multiplicam e passam seus genes resistentes às gerações futuras. Ao longo do tempo, os pesticidas vão se tornando menos eficazes. Isso torna necessário investir em doses mais potentes em novos pesticidas, fazendo com que o ciclo se reinicie.
Mesmo em curto prazo, a eficácia da pulverização aérea é contestável. Um estudo conduzido no México mostrou que campanhas educativas contribuem de maneira mais eficaz para redução dos locais de reprodução do Aedes aegypti do que o uso de pesticidas por meio da pulverização. Outro estudo conduzido na Jamaica mostrou que a pulverização aérea não resulta em diminuição significativa dos focos de Aedes aegypti.
Embora não muito eficazes no controle dos focos de mosquitos vetores de doença, os pesticidas são muito tóxicos e não afetam somente as espécies-alvo. Os seres humanos e outras espécies não alvo também são afetados. Em 2013, 42 crianças foram internadas com sintomas de intoxicação após um avião agrícola sobrevoar uma escola pública em Rio Verde, Goiás. Dessa forma, pulverizar cidades com aviões agrícolas para conter epidemias pode substituir um problema de saúde pública por outro – e sem garantias de que o primeiro será resolvido.
Os impactos ambientais do uso de pesticidas também estão longe de serem desprezíveis. A pulverização aérea causa a morte de diversas outras espécies de insetos, incluindo polinizadores e controladores naturais de pragas. Rios, lagos e aquíferos também são contaminados, diminuindo a biodiversidade aquática e comprometendo a água para abastecimento público.
A pulverização aérea, mesmo em áreas rurais, tem sido amplamente discutida no mundo, devido aos seus efeitos colaterais na saúde pública e no meio ambiente. É comum que, após a aplicação dos jatos aéreos de pesticida, haja deriva do produto para fora da área desejada. Esse tipo de aplicação de pesticidas já foi completamente banidao em alguns países, como a Holanda e a França. Em um momento em que diversos países estudam o banimento total da pulverização aérea, autorizar seu uso também nas cidades brasileiras é caminhar no sentido contrário. Ao ignorar até mesmo o posicionamento contrário do Ministério da Saúde, essa decisão atende muito mais aos interesses das empresas do agronegócio do que os da população.
Rafael Marques Almeida é biólogo, mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora e está atualmente no Cary Institute of Ecosystem Studies (Estados Unidos) terminando seu doutorado.
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