Relatório da ONG Human Rights Watch detalha o fracasso do Estado brasileiro e os impactos da doença sobre as mulheres
(CartaCapital, 13/07/2017 – acesse no site de origem)
Um aumento incomum no número de bebês nascidos com microcefalia atraiu o olhar das autoridades de saúde de Pernambuco. Cerca de 600 novos casos em dois meses. A causa da epidemia ainda era desconhecida, quando a médica paraibana Adriana Melo realizou exames com o líquido amniótico das gestantes de fetos com microcefalia e detectou o zika vírus em ambas. O mistério estava solucionado.
Com o impacto da disseminação do vírus, mulheres gestantes vítimas da contaminação tiveram graves consequências “decorrente de antigos problemas sociais de direitos humanos, incluindo o acesso à água e ao saneamento, as disparidades raciais, socioeconômicas no acesso à saúde e as restrições dos direitos sexuais e reprodutivos”.
O diagnóstico é da Human Rights Watch, que divulgou nesta quinta-feira 13 o relatório “Esquecidas e desprotegidas”, que analisa o impacto do zika vírus em mulheres e meninas no Nordeste do Brasil. A estimativa é que cerca de 2,6 mil crianças no País nasceram com microcefalia e outras complicações decorrentes do vírus, agora denominadas Síndrome de zika.
O relatório aponta que o surto de zika vírus é “sistêmico”. Com base nas campanhas do governo, o documento afirma que as autoridades brasileiras se concentraram apenas em políticas que visam o combate ao mosquito transmissor do vírus, mas não abordaram problemas relacionados a serviços públicos que ultrapassam os muros da último crise, como o acesso à água e ao saneamento básico.
Para Débora Diniz, pesquisadora do Anis – Instituto de Bioética, e colunista do site de CartaCapital, a responsabilidade do Estado consiste em entender que a epidemia é um dano permanente provocado nas mulheres por representarem as principais vítimas da doença quando o assunto é a “transmissão vertical”, que consiste na síndrome congênita dos bebês.
“A zika pode ser mais uma doença comum, mas nas mulheres significa algo permanente pois suas crianças nascem com a síndrome”, explica a pesquisadora. Diniz lembra que são as mulheres as principais cuidadoras de crianças, o que as faz deixar o trabalho e os estudos por conta dos cuidados com as vítimas.
Outro dado levantado pelo relatório é o aumento no número e na procura por abortos mediante ao fenômeno da macrocefalia. Um estudo divulgado no the New England Journal Of Medicine detectou um aumento de 108% nas solicitações de aborto do Brasil recebidas pela Women on Web – organização que fornece medicação para aborto em países em que o aborto seguro é ilegal – após o anúncio da Organização Pan-americana de Saúde dos riscos que o vírus trazia ao feto.
No Brasil, o aborto não é permitido em casos de microcefalia. Para Diniz, não é a síndrome congênita que deve fazer com que o aborto seja permitido, mas o fato de a epidemia provocar danos à saúde mental das mulheres, que “em intenso sofrimento devem poder decidir o que é melhor para sua vida”.
Outro aspecto que recai sobre a vida das mulheres é o foco do governo nas intervenções domésticas. De acordo com o relatório, tais intervenções responsabilizavam as mulheres e meninas na proliferação dos mosquitos, pois “as normas tradicionais de gênero colocam o ônus da erradicação do mosquito em nível doméstico em mulheres e meninas”.
Entrevistada pela Human Rights Watch, Paula Viana, secretária executiva do grupo Curumin, organização feminista de Pernambuco, afirma que as políticas do Estado ignora os direitos das mulheres na questão de zika. “A mensagem para as mulheres é que você tem que limpar sua casa e não engravidar”, diz ao explicar como é entendida a orientação para prevenção da Síndrome de zika.
As orientações são que somente com “uma abordagem do surto de zika baseada nos direitos humanos” o País irá avançar. Entre as orientações do relatório estão resolver problemas que afetam os direitos à água para conter a disseminação da doença, desenvolvimento de medidas conjuntas para reduzir a gravidez não planejada com envolvimento de homens e meninos, informações completas de prevenção ao vírus durante a gravidez, contínuo apoio às família vítimas do zika e o envolvimento de homens e meninos.
Além disso, as vítimas entrevistadas pela organização afirmaram que sentiam dificuldades em seguir as orientações quando estavam grávidas. As entrevistadas afirmaram que as unidades de saúde orientavam a cobertura total do corpo, mas que isso era difícil devido ao calor forte do verão, momento em que o mosquito é mais abundante. Além disso, a dificuldade financeira impedia a compra de telas, mosquiteiros e de repelentes, que, segundo o relatório, deveria ser dado gratuitamente nas unidades de saúde.
Para Débora Diniz, a ausência de políticas públicas que levem em consideração que o zika possui “um rosto feminino”, é o que gera a falta de assistência . “Quando falamos de zika a biografia dessas mulheres é uma das razões do silêncio do Estado brasileiro. Recai sobre elas o pico da epidemia e agora o legado de zika”, conclui.
Victória Damasceno