Registro de microcefalia por zika é falho, aponta estudo da Anis

17 de maio, 2017

Estudo inédito coordenado pelo Instituto de Bioética Anis revela o desamparo
enfrentado por mães e crianças vítimas da síndrome congênita da zika e chama a
atenção para a necessidade de se reavaliar os casos até agora descartados.

(UOL Notícias, 17/05/2017 – Acesse no site de origem)

O trabalho teve como ponto de partida os registros da doença em Alagoas, Estado
que de acordo com estatísticas oficiais apresentava um número bem menor de
casos da síndrome que os vizinhos Pernambuco e Paraíba.

Durante um mês, pesquisadores percorreram 21 municípios, em uma
expedição de 800 quilômetros, e encontraram 54 famílias de crianças com
registros suspeitos, confirmados e descartados de má-formação causada pelo
zika. Relatos e números reunidos são de abandono.

Leia também: Não se iludam: chance de o país ter novas epidemias de zika é bem real (Folha de S.Paulo, 17/05/2017)

Uma em cada 4 crianças não tinha assistência farmacêutica. Quase metade
(45%) não tinha acesso a transporte da prefeitura para ir a consultas
especializadas e boa parte, mesmo reunindo requisitos, não recebia o
Benefício de Prestação Continuada, concedido para crianças com a síndrome
que vivem em famílias cuja renda per capita não ultrapassa um quarto de salário
mínimo.

Extensão

“Até que se prove o contrário, os dados encontrados em Alagoas mostram que a
mesma coisa pode estar acontecendo na Paraíba, em Pernambuco, na Bahia, na
região do Sertão”, afirma a coordenadora do trabalho, a antropóloga Débora Diniz.
Ela adverte que, se nada for feito, a situação de abandono pode piorar com a
decretação do fim da situação de emergência para zika.

“A fábula do fim da epidemia não é realidade para essas mulheres e crianças. Para esse grupo, o zika ainda está presente. O mosquito não desapareceu do sertão.”

A expedição liderada por Débora trouxe à tona uma face da epidemia que não se
reflete nas estatísticas. Dos 54 casos analisados pelo grupo, 5 foram descartados
por serem nitidamente falhas de registro.

No grupo restante, de 49 crianças, 10 haviam sido descartados para síndrome
congênita de zika por autoridades sanitárias. Na avaliação do grupo, de forma
incorreta. “Todas reuniam características que apontavam síndrome.”

Ao contrário do que ocorre em outras partes do país, para o caso ser considerado
confirmado em Alagoas, é necessário que a criança faça um exame de tomografia.
O Estado, no entanto, conta apenas com dois aparelhos. A exigência, para o grupo,
é considerada desnecessária e, sobretudo, um empecilho para que casos possam
ser identificados.

“Radiologista não foi o profissional escolhido pela política nacional para fazer essa
avaliação. A criança cujo exame deu inconclusivo não é encaminhada para outras
especialidades”, observa Débora.

Talvez não seja à toa o fato de que o Estado tenha apresentado uma taxa de casos
descartados duas vezes maior do que o da Bahia. Em Alagoas, são 22 crianças
com diagnóstico descartado a cada 10 mil nascidos vivos. Na Bahia, são 11.
“Não tenho a menor dúvida de que o Estado brasileiro deve retornar a todos os
casos descartados da epidemia. O que sabemos da epidemia agora não é o que
sabíamos no início.” Ela pondera ainda que ao longo da epidemia os critérios para
classificação dos casos mudou. “Com isso, não temos dados para fazer uma
comparação da epidemia ao longo do tempo.”

Vidas por trás de números

Aos 26 anos, Juliana da Silva Lima não esconde a falta de esperança. Moradora de
Maceió, três vezes por semana ela faz uma jornada de três horas de ônibus para
levar a filha Maria Beatriz, com síndrome congênita por zika, para fazer estimulação
precoce.

“São três horas para ir, três para voltar. Como não tenho com quem deixar, levo minha filha Yasmim, de 3 anos junto. Tenho pena, porque se ando 5 quarteirões, Yasmim também tem de andar. Não tenho como dar colo.”

O filho mais velho, Antonio Felipe, de 9 anos, há quase um ano teve de ir morar
com a avó, no interior alagoano. “Não tinha como cuidar dele. A rotina mudou muito.
Minha vida é cuidar de Maria Beatriz.”

A rotina fez com que a renda da família, já minguada, caísse ainda mais. “Fazia
artesanato para vender na feira. Hoje, mal consigo cuidar da comida.” Com isso, a
família conta apenas com salário de motorista do marido. A família entrou com
pedido de BPC, mas não conseguiu.

“Nossa renda caiu. Sem falar no fato de que não encontro remédios no posto de
graça para Maria Beatriz.” A menina faz uso contínuo de dois medicamentos. Um
para conter as convulsões, outro para deixá-la mais calma. “Não consigo deixar de
comprar na farmácia o da convulsão. O outro reduzo, de acordo com o que dá.”

A família prepara-se agora para entrar na Justiça, para garantir o direito do BPC.
“Se tivesse os medicamentos gratuitos, o transporte, talvez conseguisse dar um
jeito. Mas sem nada, precisamos do benefício.”

O secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, Alberto
Beltrame, afirma que os benefícios estão sendo concedidos de acordo com os
pedidos. “Dos 86 casos de microcefalia no Estado confirmados, foram autorizados
64 benefícios”, disse.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

Acesse aqui a íntegra do estudo Zika em Alagoas – a urgência dos direitos.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas