Feminismo: um passo pra frente, dois passos para trás, por Nana Soares

16 de novembro, 2017

Os últimos dias foram marcados pela aprovação da PEC 181 em uma Comissão Especial da Câmara. PEC esta que, se aprovada, pode proibir de vez o aborto no Brasil, hoje permitido em três situações. Como já exaustivamente divulgado nas redes e nos protestos contra a medida, 18 homens podem ter decidido o futuro de milhões de brasileiras. Dezoito homens que comemoraram aos berros o prosseguimento do projeto que, eles sabem, restringe a autonomia das mulheres.

(Emais, 16/11/2017 – acesse no site de origem)

Em notícia menos comentada, também na semana passada o presidente Michel Temer sancionou mudanças na Lei Maria da Penha, mas felizmente vetou os artigos que poderiam enfraquecer a lei perante a Constituição (leia mais aqui). Alguns poucos comemoraram, mas muitos que não sabiam do que se tratava viram no veto do presidente um retrocesso. A semana agitada teve também vídeo de jornalista sendo racista em pleno mês de consciência (e resistência) negra – e muita gente atenuando o comentário, como sempre.

Uma avalanche de notícias (e subsequentes opiniões) sobre igualdade, resistência, conquista e perda de direitos. Do lado de cá, me apeguei com todas as forças ao veto de Temer, uma micro notícia boa em meio a um mar de retrocessos que fazem de tudo para nos mergulhar na apatia e seguir vivendo, descartando um direito a cada esquina.

O parecer favorável à PEC me fez sentir muita coisa, mas espanto não foi uma delas. Do Congresso mais conservador desde 1964 e que vem nos tratando como incubadoras forçadas a ter filhos, trabalhar exaustivamente e ganhar pouco, já não espero mais nada.

Dói lembrar que há menos de uma década a conversa era outra. A pauta das mulheres avançava, as desigualdades diminuiam, sendo comprovadas a cada pesquisa. Nossas demandas, aos trancos e barrancos, eram ouvidas e discutidas – exceção feita ao aborto, tratado como moeda de troca nas últimas eleições e cuja discussão não avança significativamente no Brasil há bem mais tempo. A gente ia pra frente como tinha que ser, embora em velocidade muito aquém da necessária para erradicar a desigualdade entre brasileiros e brasileiras.

Corta para 2016, quando as mulheres deixaram de fazer parte do alto escalão do governo,  e para tudo que vem acontecendo desde então, salvo raríssimos momentos de esperança. Em velocidade assustadora as desigualdades voltam a aumentar e o Brasil parece se orgulhar dos retrocessos, que devolvem a situação para como ela sempre foi.

Recentemente li o livro “Backlash – o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres”, da jornalista Susan Faludi. Nele, a autora detalha como os conservadores americanos conseguiram reverter os avanços trazidos com a revolução sexual e o crescimento do movimento de mulheres, de negros, entre outros, no país. Parece uma lista do que está acontecendo no Brasil, com a diferença que aqui a guerra não tem nada de “não declarada” – vide os 18 parlamentares celebrando a perda de autonomia do sexo oposto.

São anos de ativismo se esvaindo em poucas canetadas que autorizam as desigualdades e a criação de cidadãos de maior e menor categoria. Segundo a análise de Susan Faludi, esse é um fenômeno cíclico comum  em resposta aos ganhos de direitos (o que é ainda mais desesperador).

Se for assim no Brasil, estamos ferradas. Às vésperas de uma nova eleição, nosso destino está nas mãos da sorte e não dá para saber em quem confiar ou sequer o que ainda pode acontecer com o direito das mulheres até lá – até porque classe política nenhuma faz e desfaz se não tiver apoio significativo da população, e tratar bem as mulheres não é exatamente algo que faz parte da cultura brasileira.

Resta confiar com todas as forças (todas mesmo) no feminismo que emana das novas gerações: de meninos e meninas mais novos do que eu e que já entendem que não há biologia no mundo que justifique desigualdade entre homens e mulheres. Em tempos sombrios, resta lembrar que o maior medo de quem ama o passado é a chegada do futuro.

E o futuro é nosso.

NANA SOARES é jornalista e focada em direitos da mulher. Quando não está escrevendo, faz consultoria para pessoas e empresas que querem fazer do mundo um lugar mais igualitário. É co-autora da campanha contra abuso sexual do Metrô de São Paulo e quer mostrar que feminismo não é palavrão.

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