Gestantes optam pelo parto humanizado e condenam violência obstétrica

15 de julho, 2017

Cresce a procura por partos sem intervenções cirúrgicas; grupo orienta mulheres a empoderar-se

(Gazeta Web, 15/07/2017 – acesse no site de origem)

“Depois que sofri violência obstétrica, tive a certeza de que não voltaria para um hospital para dar a luz a um filho meu”. Esta é a declaração de uma mãe que, após passar por um trauma na primeira gestação, optou pelo parto humanizado em uma banheira dentro de casa na segunda gestação.

Thaiana Paula da Silva opta por parto humanizado após trauma (Foto: Rhuanny)

Thaiana Paula Silva, 26 anos, deu a luz a Enzo Gabriel, hoje com dois anos, ao lado das pessoas que mais ama. O pai da criança participou integralmente do momento mais esperado pelo casal durante os nove meses.

A violência obstétrica foi tema de uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, preocupada com os índices de relatos de abusos, realizou levantamentos e publicou um relatório em 2015. O documento poder ser lido aqui. A entidade considera violência durante o parto as situações em que há abuso físico, sexual, verbal ou até mesmo a ausência de acompanhantes queridos pela paciente durante o parto, a falta de estrutura nos serviços das unidades hospitalares e o preconceito.

Outra preocupação elencada pela organização mundial é a alta taxa de cesáreas realizadas pelos hospitais, tanto públicos, quanto privados. Por isso, a recomendação da própria OMS é que o percentual não ultrapasse os 15% por hospital. No entanto, a média de partos cirúrgicos está muito acima do recomendado. O número é maior quando se refere a partos realizados através de planos de saúde.

Confira percentuais de cesáreas e partos normais por planos de saúde.

Na rede estadual, a Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau) informou o panorama de todos os partos realizados no estado em 2015 e 2016. Em 2015, houve 24.630 partos normais, contra 27.653 cesarianas. Já em 2016 foram 21.979 partos normais e 25.904 cesarianas, uma diferença de 3.925 partos.

Os abusos obstétricos também foram tema de uma audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal em Alagoas, com a presença de gestantes, doulas, médicos e representantes de hospitais. A audiência foi realizada em novembro de 2016, com relatos de mulheres que sofreram algum tipo de violência.

A jornalista alagoana Wanessa Oliveira apresentou em 2015 sua pesquisa de mestrado, intitulada: Violência Obstétrica – Contradições do Sistema de Saúde nas Políticas de Humanização do Parto. Segundo ela, há uma relação entre a resistência por partos normais e humanizados em detrimento de partos cesáreos e com intervenções, afim de realizá-los de forma rápida. Este fator seria responsável por “esvaziar as políticas que promovem uma assistência humanizada”.

“Se uma maternidade fecha, as outras que estavam fazendo algum tipo de avanço em humanização regridem totalmente, porque ficam lotadas e precisam liberar leitos, atendendo rapidamente às mulheres. Partos rápidos são violentos e cheios de intervenções”, explica a jornalista autora do mestrado.

Segundo ela, a produtividade do médico também pode está aliada ao impacto na forma como o parto será realizado, principalmente, quando o profissional recebe por parto. “É quando partem para cesariana com todos os riscos”, expõe.

Ela entrevistou quatro mulheres, sendo duas atendidas pelo SUS e duas por planos de saúde. Uma das entrevistas, conta a jornalista, foi com uma jovem que ficou quatro meses sem caminhar em decorrência da violência sofrida durante o parto. “Ela passou por uma episiotomia violenta e fizeram nela a manobra de Kristeller. Ela foi obrigada a ficar deitada de barriga para cima a noite inteira, com as pernas sobre os estribos, sem sequer poder ir ao banheiro. Foi uma sessão de tortura”, diz a autora da pesquisa.

Segundo a ginecologista e obstetra Taynara Soares Lima, as maternidades do SUS e hospitais escolas são mais propensos a realizar um parto mais humanizado, porque seguem as normas do Ministério da Saúde e da OMS. As equipes são treinadas para o parto normal. Por isso, boa parte das unidades têm sala de parto com materiais e métodos de alívio da dor.

Em contrapartida, a obstetra considera que a associação dos planos de saúde aos partos cirúrgicos se devem a uma “cultura cesarista” nas unidades particulares.

“A cultura cesarista é prática e conveniente. Muitas pacientes, por exemplo, solicitam que desde a primeira consulta, agendem a cesárea com laqueadura e no dia que é mais cômodo para a família e para o mapa astral”, afirma a obstetra.

Quando a felicidade se transforma em pesadelo

Antes de Enzo Gabriel nascer, Thaiana Paula Silva teve a triste experiência de uma gravidez ectópica. Além disso, com seis meses de gestação, ela teve uma pneumonia, que não foi detectada inicialmente e se agravou. Ela conta que deu mais de cinco entradas emergenciais. Os diagnósticos eram variados: desde infecção urinária até virose. Na última ida ao hospital, Thaiana teve um derrame pleural e precisou ficar internada.  “Desta vez eu tive a certeza que não voltaria para um hospital para dá a luz ao meu filho. Tive uma hemorragia e o atendimento mais traumático da minha vida”, declara a mãe.

“Tive que passar por uma cesárea. Vários foram os toques da médica e de estudantes para saber em qual trompa o feto estava. Todos os toques sem o meu consentimento. Eu gritava de dor”, conta Thaiana. Ela acrescenta que, em meio a toda a situação, ainda sofreu pelo fato de sua mãe não poder entrar na sala para te acompanhar.

“Eu não apaguei durante o procedimento e vi toda a movimentação. Quando tudo acabou, fui costurada e levada para outra sala sem saber o que tinham feito e nem porque tinham feitos os procedimentos. Apenas fui informada que o médico tinha encerrado o plantão”, diz.

Thaiana só foi informada que uma trompa sua havia sido retirada no outro dia. A informação sobre qual das trompas foi removida veio somente seis meses depois, quando engravidou de Enzo. “Sequer eu sei o nome do médico e dos enfermeiros que fizeram a cirurgia”, comenta.

Humanização: a busca por um parto com dignidade

Segundo parto de Thaiana Paula Silva é acompanhado por familiares (Foto: Rhuanny)

 

Ao descobrir a segunda gravidez, Thaiana conta que foi tomada por uma sensação de medo, devido ao trauma passado anteriormente. Sem saber que existiam outros procedimentos fora dos padrões hospitalares, ela conheceu o parto humanizado pela internet, através do grupo de apoio Roda Gestantes, que informou tudo sobre humanização no parto. “Foi lá que aprendi e descobri um mundo que era totalmente desconhecido”, conta.

Aos poucos foi simpatizando com a ideia de ter o bebê em sua casa. “Cada vez mais eu me imaginava passando por isso. Suspendi meu plano, minha obstetra e comecei a ir para o SUS”, diz.

“Vendi rifas na faculdade, na igreja, na rua e dentro do ônibus. Vendi coisas que ganhei. Me chamavam de louca. Levantei R$ 1.500 em uma semana e dividi o resto na amizade, porque o grupo se sensibilizou”, explica Thaiana. O Roda Gestante, que existe em Maceió desde 2011, tem a finalidade de empoderar gestantes e informá-las sobre partos humanizados e violência obstétrica.

Todo o esforço deu certo. Thaiana teve o pequeno Enzo dentro de uma banheira com água quente, com uma participação intensa do pai da criança na preparação do corpo para amenizar a dor. Ela compartilhou o momento com seus pais, uma tia e uma prima de oito anos. Duas enfermeiras obstétricas e uma doula estiveram presentes para garantir a segurança e integridade da mulher e do bebê que estava por vir.

“Toda a minha família esteve presente, foi uma festa. Naquele momento eu confiava muito no meu corpo. A dor que eu senti, não queria que fosse embora. Não era como todas as dores. Era boa, porque cada vez que aumentava eu sabia que Enzo estava vindo”, afirma.

Foram 15 horas de parto. “Falam no grupo que a mulher entra na Partolândia, onde ela se conecta com o bebê e realmente essa Partolândia existe”, brinca a mamãe.

A obstetra Taynara Soares está entre os médicos que optaram por fazer partos mais humanizados. Ela conta, que durante o procedimento, os desejos e a comunicação entre ela e a mulher acontece constantemente. A gestante é avaliada e tem o acompanhamento médico para encontrar a melhor posição – seja em pé, acocorada ou deitada – e para intermediar em caso de necessidade de intervenção.

“Aguardo a chegada do bebê, sempre que possível avaliando a mãe e o feto. Ajudo com palavras de encorajamento, oriento sobre a necessidade de caminhar, acocorar ou descansar na cama ou banheira, no momento de escolha da paciente. Em caso de cesárea, ofereço a participação da paciente, sendo a primeira a ver a criança, baixando o campo, com mãos soltas, proporcionando o contato pele a pele com o bebê, caso ele esteja saudável”, explicou a médica.

Grupo compartilha experiências sobre parto humanizado (Foto: Cortesia)

Grupo Roda Gestante

Criado em 2011 em Maceió, o grupo Roda Gestante atende futuras mamães, com o intuito de informá-las sobre o que é parto humanizado e o que é violência obstétrica, para que possam identificar um possível abuso e como exigir seus direitos de um parto digno. Ele é feito também para os pais, em que a palavra de ordem é o empoderamento. O pai do bebê é orientado a reagir, caso perceba algum tipo de violência contra a gestante.

Doula e coordenadora do grupo, Milena Caramori explica que a maior parte das mulheres não sabe que o parto conhecido como normal nos hospitais é realizado com várias intervenções.

“A maioria quando vai parir tem muitas surpresas ao longo dos processos que vão sendo apresentadas a ela no momento do parto. Por não ter informações sobre os procedimentos, elas acabam aceitando sem contestar”, explica.

Milena Caramori diz que cresce a busca por partos humanizado (Foto: Reprodução)

Milena afirma que tem crescido a busca de mulheres pelo parto humanizado, principalmente depois que percebem as intervenções, quando buscam pelo parto normal.  “A gente tem o grupo de doulas e recebe muitas ligações todo o mês. Desde que começamos atuar, temos gestantes para parir todos os meses. E vejo que as doulas também estão sendo muito procuradas”, expõe.

Apesar da resistência de muitos planos de saúde e unidades hospitalares – principalmente particulares – em realizar um parto mais humanizado, Milena reconhece que o desejo crescente de mulheres pelo parto com menos intervenções, tem feito alguns poucos médicos se abrirem à humanização e buscar se desvencilhar de um parto padrão, procurando ouvir cada vez mais as gestantes.

“Há médicos que só atendem no plantão, e poucos que atendem no particular. Tenho percebido alguns poucos médicos abertos a mudança. E a gente precisa que mais profissionais estejam abertos para atender essa demanda que só tende a aumentar”, indica a doula.

Ela ressalta que os hospitais ainda são os locais que as mulheres se sentem mais seguras para parir. Em Maceió, há poucos com salas apropriadas ao procedimento natural. E os que possuem, acomodam as gestantes em uma sala com banheiro, bola, água quente, bancos, para que a mulher encontre métodos de alívio da dor. Além disso, ela pode ter o acompanhamento de algum familiar. No entanto, nem tudo é confortável. De acordo com a doula, é comum chegar nestes hospitais com mulheres em processo de parto e estas salas estarem ocupadas.

“Ela acaba indo para o parto cirúrgico, onde não tem água, banheiro, não é confortável, não pode levar quem ela quer. Várias vezes a gente chegou na sala de parto normal, mas ela já estava ocupada resguardando a mulher que teve parto cesáreo”, finaliza a doula.

Já o parto domiciliar também precisa de cuidados. Ele é feito com acompanhamento de enfermeiros obstetras com equipamento de reanimação neonatal. O local do procedimento é estratégico e precisa ter uma distância de até trinta minutos do hospital mais próximo, em caso de urgência de remoção.

A ginecologista e obstetra Taynara contraindica a realização de partos humanizados, principalmente domiciliar, em algumas situações, como por exemplo, a presença de patologias no bebê.

“Evitar partos assim é recomendável em casos em que a mãe ou o bebê apresenta hipertensão descompensada, diabetes sem controle adequado, quando o bebê está sentado, ou quando se apresentam múltiplas cicatrizes uterinas”, recomenda a profissional.

Procedimentos considerados violentos:

– Dieta zero;
– Tricotomia, que é a raspagem de pelos, porque aumenta o risco de infecção;
– Enema, que facilita a infecção de fezes liquidas no bebê;
– Ruptura artificial da bolsa;
– Uso de Ocitocina Sintética;
– Posição deitada, que segundo a doula Milena Caramori, a passagem do bebê fica reduzida em 30%;
– Manobra de Kristeller, condenada pela OMS;
– Corte do períneo;
– Puxos dirigidos;

– Negar atendimento durante o pré-natal;

– Realizar comentários constrangedores, sofrer humilhações ou negligências no atendimento;

– Ter  cesárea agendada por pura conveniência e interesse médico estão entre as violências sofridas durante a gestação, segundo o Ministério Público;

– Impedir a presença de um acompanhante durante todo o período de internação;

– Realizar sucessivos exames de toque;

– Exigir jejum, posição ginecológica ou imobilização;

– Impedir ou retardar o contato entre mãe e bebê saudável ou dificultar o aleitamento materno na primeira hora de vida;

– No caso de abortamentos, agir com preconceito, discriminar, negar ou desumanizar o atendimento, questionar a causa do aborto

– Realizar procedimentos invasivos sem explicação, consentimento ou anestesia

– Ameaçar, culpar a mulher ou coagir com a finalidade de confissão e denuncia à Polícia Militar, também são violências obstétricas.

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