O PSOL e o Anis – Instituto de Bioética apresentaram nesta quarta-feira, 22, no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que a estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, interrompa a gravidez. Grávida de 6 semanas, a estudante sustenta não ter condições econômicas e emocionais de levar a gestação adiante: é responsável pela criação de dois filhos e vive com recursos de um trabalho temporário que vai somente até fevereiro. Não há nenhuma decisão no STF autorizando casos como esse. Todas as decisões sobre aborto dizem respeito a gestações que trazem risco de vida para a mulher ou envolvendo feto com má-formação.
(UOL, 23/11/2017 – acesse no site de origem)
O STF já decidiu que o aborto é permitido em casos de fetos com anencefalia e houve decisão da 1.ª Turma da Corte, no ano passado, no sentido de que o aborto até os três meses da gestação não pode ser considerado crime. A decisão motivou reação imediata no Congresso, capitaneada pela bancada religiosa, em favor de legislação que reitere – tornando mais claro – o veto à prática no País.
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Em entrevista, Rebeca afirma que não teria dificuldade em recorrer a um procedimento clandestino. Isso, porém, nunca foi cogitado. “Não quero ser mais uma mulher que morre em casa depois de hemorragia ou em uma clínica clandestina e depois é jogada na rua. Ou, ainda, ser presa”, justifica. “Quero viver com meus filhos, com saúde e segurança”, completa a estudante. Como o Estado mostrou em dezembro, O Brasil registra uma média de quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro nos hospitais por complicações do aborto. De acordo com pesquisa nacional, 503 mil interromperam a gravidez só em 2015.
Aluna do 5º semestre de Direito com bolsa do Programa Universidade para Todos (ProUni), Rebeca afirma que uma gravidez agora colocaria em risco não só seus planos, mas o sustento de toda família. “Terminando o trabalho temporário, quem contrataria uma mulher grávida? A faculdade, que é um passaporte para uma vida melhor, já é difícil de ser feita. Uma gravidez significaria colocar esse projeto de lado.”
O pedido apresentado nesta quarta é uma reiteração de liminar em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta em março pelo PSOL e pelo Anis. “Temos fatos novos agora. O caso específico de Rebeca, além da estimativa de que, desde março, pelo menos 330 mil mulheres se submeteram a abortos clandestinos”, afirma a advogada Sinara Gumieri, da equipe que preparou a ação no Supremo.
Os autores da ADPF sustentam que a criminalização, prevista pelo Código Penal, desrespeita direitos fundamentais descritos na Constituição, como o direito à dignidade, à autonomia e à cidadania. “A dignidade está relacionada com a autonomia de a mulher tomar suas decisões, com a liberdade”, diz a advogada Gabriela Rondon.
O pedido de liminar será avaliado pela ministra Rosa Weber, que é da 1ª turma do Supremo. Mas não há nenhum prazo para que ela tome decisão. “Concedida a liminar, ela valerá tanto para Rebeca quanto para as mulheres que não querem levar adiante a gravidez”, acredita Sinara. Se for determinado pelo STF que a decisão tem repercussão geral, o aborto para todas as mulheres até a 12.ª semana da gestação passaria a ser permitido.
Desde que a ADPF foi proposta, o Anis passou a recolher depoimentos de mulheres que fizeram aborto há mais de oito anos. “Chama a atenção o peso do silêncio. Em muitos relatos, dizem que nunca haviam comentado com ninguém. Passaram por procedimentos de risco e, depois, vivem na solidão.”
Às claras
Rebeca relata que em nenhum momento pensou em fazer o pedido para permissão da interrupção da gravidez no anonimato. Embora diga não ter dúvida de que poderá ser criticada, acrescenta estar preocupada só com a opinião de seus filhos. E se a liminar for negada? “Vou ficar desesperada. Vou viver uma vida que estou lutando para não viver.”
Debate
O reforço do pedido de liminar ocorre no momento em que a Câmara dos Deputados debate a proposta de emenda à Constituição (PEC) 181 sobre o tema. O texto aguarda votação de destaques em comissão especial, após debates e protestos acalorados entre deputadas defensoras do direito ao aborto e parlamentares contrários.
O texto original da PEC previa inicialmente a ampliação da licença-maternidade para mães de bebês prematuros de 120 para 240 dias. Mas a proposta foi modificada em 2016, após o STF considerar que aborto até o 3º mês de gestação não é crime.
Relator da PEC, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) é contra ampliar as hipóteses de aborto. Para ele, o texto, se aprovado como está, fortalece “o direito à vida”. Questionado ontem sobre o caso da jovem que recorreu ao STF, não quis se manifestar. “A pessoa pode pedir o que quiser na Justiça.”
A presidente do Movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, avalia que há no Congresso número suficiente de parlamentares para barrar a tentativa de liberação. “A PEC só vai impedir o avanço das possibilidades de interrupção da gravidez. O texto não mexe nas formas em que o aborto já é permitido.”
Quem interrompe a gravidez é vítima da falta amparo, segundo ela. “Se tivessem apoio, certamente não fariam”, diz. “E o aborto para mulher não é uma solução, é mais um problema.”
Para a pesquisadora do Anis, Débora Diniz, já tem havido um “movimento de retrocesso” no Legislativo desde antes da decisão do Supremo de 2016. A PEC, diz ela, tem como objetivo inibir novas decisões do STF. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.