(Agência Brasil, 25/02/2016) Um desafio não aceito e uma nova proposta: mostrar a realidade da maternidade, sem hipocrisia. Bastaram estes dois ingredientes para Juliana Reis virar assunto na internet e fora dela. A carioca, de 25 anos, recusou participar do “Desafio da Maternidade”, espécie de corrente do Facebook que convidava mães a postarem três fotos que representassem a alegria da maternidade. Em vez disso, Juliana, mãe de Vicente, que ainda não tem dois meses, sugeriu um novo desafio, onde o desconforto, o medo e as experiências ruins fossem o foco dos registros compartilhados.
Desafio NÃO aceito! Me recuso a ser mais uma ferrramenta pra iludir outras mulheres de que a maternidade é um mar de…
Publicado por Juliana Reis em Segunda, 15 de fevereiro de 2016
A coragem e o desabafo de Juliana, que disse que ama o filho, mas detesta ser mãe, gerou uma avalanche de insultos e julgamentos. Sua página chegou a ser bloqueada na rede social. Porém, muitas outras mães apoiaram a carioca e ajudaram a evidenciar a pressão que a sociedade exerce sobre mulheres que não se sentem tão satisfeitas com a maternidade.
Autora da comunidade Mãe Solo, onde posta tirinhas que representam a maternidade sem idealizações, a designer Thaiz Leão revela que recebe muitas críticas. “Até as críticas eu tento retratar no meu trabalho, afinal elas são as ferramentas fundamentais da repressão.” A ilustradora defende que a maternidade seja discutida de forma amplificada, “não para destruir a entidade da mãe, mas para reconstruir as relações que a sociedade cria com a mulher, seu corpo e sua escolhas”.
Honestidade: trabalhamos.Ser mãe não é auto-magicamente se tornar um ser de luz, iluminado, compreensivo, completo,…
Publicado por Mãe Solo em Terça, 9 de fevereiro de 2016
Outra mãe que nadou contra a corrente no desafio da maternidade foi Natália Pinheiro, de 25 anos. Apesar de ter participado da brincadeira, e ter postado três lindas fotos com o filho, a paulista desabafou sobre como não ama ser mãe. “Eu amo o Yuri. Amo com um amor que torna algumas privações mais suportáveis, algumas dores mais velozes, algumas lágrimas menos solitárias. Eu amo o Yuri, mas eu não amo ser mãe”, escreveu a estudante.
Fui muito marcada no desafio da maternidade. Fico feliz que se lembrem de mim, que me marquem em textos, que…
Publicado por Natália Pinheiro em Terça, 16 de fevereiro de 2016
Carol* encontrou na internet um espaço de desabafo para suas angústias maternas. No blog Odeio ser Mãe, ela reúne textos e depoimentos de mães que sofrem muito com essa condição. Para ela, o exercício da maternidade exige uma dedicação que é desgastante, a ponto de declarar que se arrependeu de ter tido um filho. A funcionária pública, formada em História, diz que não deixa de oferecer o carinho e boas condições para o desenvolvimento saudável de Caio*, de 12 anos, mas não esconde o remorso de ter que abrir mão de seus anseios pessoais por conta dele: “Muita gente não entende como posso criar meu filho bem, botar fotos felizes no Facebook e me arrepender de tê-lo tido. Mas digo que é possível, sim. Acho que minha vida teria tomado um rumo bem melhor sem ele. Eu teria crescido mais, como pessoa, como profissional, como mulher”.
Ela culpa o despreparo e o preconceito social por isso. “Se arranjo um namorado novo, logo sou condenada. Se quero ter uma noite de folga e me divertir, ir à uma festa, sou tratada como uma mãe desnaturada. Se estou cansada, sou reprimida (“Pariu, então se vire! Na hora de fazer foi bom, né?”). Meus pais me ajudam demais na criação do Caio (o pai mora em outro estado, nunca ajudou) e meu pai inclusive me mima muito. Não tenho do que reclamar nesse ponto. Mas a sociedade em geral me trata apenas como ‘mãe’. Tudo é mais difícil. É mais difícil arranjar emprego, arranjar namorado, organizar a vida. Aliás, hoje mesmo um desconhecido no twitter ficou me mandando ofensas porque “eu não deveria ter tempo para ter conta no twitter”, como se eu não pudesse ter vida além da maternidade”, conta ela.
Em seu texto “Amo meus filhos, mas odeio ser mãe”, publicado no site Cientista que virou mãe, Ana Rossato defende que não há espaço para mulheres e seus filhos na sociedade. Como se a elas fosse reservado o espaço particular de suas residências e não o trabalho, a faculdade, a rua.
Não é que eu não goste dos meus filhos. Eu não gosto de que, por ter filhos, eu precise ter meu acesso à educação comprometido por conta de instituições que não pensam em um espaço que acolha mulheres e crianças.
Amo meus filhos. Mas não gosto de ser barrada em entrevistas de emprego na hora em que respondo se tenho ou pretendo ter crianças.
Adoro meus filhos. Mas detesto esse olhar crítico que recebo quando estou em um restaurante, ou em uma loja, ou mesmo em uma exposição de arte, afinal eu deveria estar em casa, porque criança pequena “atrapalha”.
Eu adoro ver meus pequenos dormirem. Mas realmente odeio a carga de trabalho que eu e meu companheiro precisamos ter para vivermos minimamente bem.
Adoro nosso tempo em família. Mas detesto a péssima mobilidade urbana que não pensa nas crianças, sendo impossível sair de carrinho em muitas e muitas cidades, ou mesmo pegar um ônibus com segurança e, com isso, impede mulheres e crianças de ocuparem os espaços públicos.
A cientista social mãe de três crianças explica que o papel idealizado e socialmente aceito de mãe implica em uma anulação da personalidade própria que muitas mulheres simplesmente não aceitam. “É sintomático perceber que todos os papéis que a mulher assume têm as mesmas características: a mãe boa é aquela que interrompe por completo a sua vida para acolher as necessidades dos filhos; a esposa ideal é aquela que serve de apoio e base para as conquistas do seu marido; a funcionária ideal é aquela que não se importa em fazer do seu trabalho a sua segunda casa. Todo papel que a mulher cumpre tem como fundo a negação de si em prol do outro. É doentio reduzir um ser humano inteiro e complexo a uma função, por mais especial que ela seja”, afirma.
De acordo com a psicóloga Maria Cecília Mattos, responsável pelo blog Maternidade no Divã, a ideia que aparece no imaginário coletivo, de que o amor materno é simples e livre de conflitos, não é verdadeira. “O amor materno é ambivalente, ambíguo e complexo, e a maternidade pode despertar na mulher muitas emoções.” A especialista em psicologia perinatal e obstétrica afirma que apesar do lado negativo da maternidade ainda ser um tabu, cada vez mais surgem mulheres com coragem de expressar seus sentimentos e desconstruir a imagem idealizada que a sociedade tem das mães. “No entanto, se por um lado essa exposição une muitas mães, que já não se sentem tão sozinhas com seus sentimentos negativos, por outro pode chocar muita gente que ainda acredita que a maternidade é uma experiência exclusivamente encantadora e prazerosa”, argumenta.
Por Bruna Ramos e Adriana Franzin Fonte:Portal EBC
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