Não há nada de defesa à vida quando uma atuação médica ou jurídica perpetua o sofrimento e coloca em risco a vida – e o futuro – de crianças que foram estupradas.
Nos autos do processo de uma menina abusada em Goiás, por exemplo, ela expressou o desejo de fazer aborto, afirmando que, após obter permissão judicial para tal, ela pretende voltar a estudar e a frequentar a pracinha com as amigas. Ela quer sua vida de volta. É hora de devolvê-la.
Não é suficiente que uma menina seja estuprada e viva em extrema vulnerabilidade? Nos casos de estupro não. Além do descaso, sua condição de vítima é rejeitada e seu direito ao aborto negado.
Em 18 de julho de 2022, uma criança de 12 anos faleceu após oito dias internada no Hemu, em Goiás, com síndrome Hellp, uma grave complicação da pré-eclâmpsia. Uma morte evitável, que poderia ter sido prevenida pela garantia do direito ao aborto, uma vez que uma gravidez infantil levada a termo implica risco de vida, além de agravar as desigualdades sociais.
Em março do mesmo ano, a juíza Maria Socorro de Souza Afonso da Silva, titular da Vara de Infância e Juventude de Goiânia, decidiu contrariamente ao direito do aborto legal de uma criança de 11 anos — mesmo sob manifestação de vontade dela e da mãe — atendendo pedido da avó paterna.
No caso mais recente, em 24 de junho deste ano, a magistrada autorizou a interrupção “com proteção ao nascituro” para uma criança de 13, engravidada aos 12, semelhante à decisão da juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina. Embora a resolução do Conselho Federal de Medicina esteja suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal, a juíza se baseia nela para impedir a assistolia fetal.
Três dias depois, em 27 de junho, decisão liminar da desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, impediu por completo o procedimento, atendendo pedido do pai da menina, que além de não evitar seguidas violências sexuais contra ela, ainda alegou que foram “consensuais”. O artigo 217 do Código Penal é claro: qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos é crime, sem margem para especulação sobre consentimento.
Casos semelhantes de disputa judicial ocorreram no Piauí e em Santa Catarina, revelando um padrão de interferência de grupos que se valem da exigência de consentimento dos representantes legais para criar um conflito de vontades na família. Com isso, a judicialização se torna obrigatória. No mesmo sentido, as decisões judiciais não priorizam a vontade expressa das crianças.