Brasil tem hospitais de referência em menos de 2% dos municípios, fazendo com que muitas tenham que viajar centenas de quilômetros
A universitária Angela, 24, e a técnica em segurança Cristina, 29, foram vítimas de estupro e engravidaram. Já a bacharel em direito Ana, 26, esperava ansiosamente pela terceira filha quando soube que a gestação colocava em risco sua vida.
Os casos permitiriam que elas fizessem aborto, segundo a legislação vigente. Mas as três mulheres, que não quiseram ser identificadas, tiveram dificuldade ou não conseguiram realizar o procedimento. Chegaram, então, à mesma conclusão: o aborto não é garantido às mulheres brasileiras mesmo quando é um direito.
O Brasil permite a interrupção da gestação quando há gravidez resultante de estupro, risco à vida da gestante ou se constatada anencefalia fetal. Há decisões judiciais que indicam que a malformação incompatível com a vida também justificaria o aborto.
Os relatos de mulheres que buscaram o procedimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) mostram que, mesmo em casos permitidos, elas podem ficar à mercê de médicos e juízes. Elas descrevem situações de humilhação, constrangimento, fanatismo religioso, dificuldade de acesso a informações sobre o aborto legal e a hospitais que fazem a intervenção, além de longas viagens para ter acesso ao procedimento.
Para Ana Elisa Bechara, vice-diretora e professora de direito penal da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), na prática, o aborto legal sofre muitas restrições.
“Há poucos lugares que fazem o procedimento e ainda há dúvidas, inclusive por parte dos agentes públicos envolvidos, sobre como os casos devem ser conduzidos”, afirma.