A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), a Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (ABEFACO), o Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA) e as demais entidades abaixo assinadas, vêm a público manifestar seu repúdio a mais um ataque aos direitos humanos e ao direito à saúde das meninas e mulheres, levada à termo pela cartilha intitulada “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”.
A cartilha, publicada em junho de 2022 pelo Ministério da Saúde, é veículo produtor de desinformação, inclusive para os profissionais de saúde, que precisam estar bem-preparados e munidos de conhecimentos técnicos e científicos de alta qualidade para prestar a assistência necessária nos casos de aborto previsto por lei. Infelizmente, o mais novo documento do Ministério da Saúde distorce fatos e desrespeita direitos reconhecidos internacionalmente há décadas.
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A afirmação de que não existe aborto legal no Brasil é um devaneio inescrupuloso. Há quase um século o aborto está previsto no Código Penal brasileiro: desde 1940 é legal e lícito interromper uma gravidez quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, e nos casos de gravidez decorrente de estupro. E, desde 2012, a interrupção da gravidez também é possível em casos de feto anencefálico. No entanto, o novo documento do Ministério da Saúde não reconhece o aborto legal como um direito. Esta normativa empreende, de fato, grande esforço para obstaculizar ao máximo a prática do aborto legal no país e provocar imenso sofrimento às mulheres.
São vários os descalabros do documento: desde o suposto reconhecimento dos direitos patrimoniais de nascituros, a necessidade de investigação policial nos casos de gravidez decorrente de estupro, o não reconhecimento do óbito materno por aborto como um problema de saúde pública. A orientação do Ministério da Saúde é que o profissional de saúde informe à mulher sobre o programa de entrega legal ou voluntária do recém-nascido para adoção, desconsiderando por completo toda a problemática que envolve a adoção no Brasil, principalmente de crianças negras. Obrigar que uma mulher dê à luz a uma criança fruto de uma violência sexual significa legislar a favor do estuprador e ignorar o sofrimento das mulheres.
É urgente avançar na garantia de direitos para mulheres brasileiras, assim como é fundamental reconhecer que estes direitos são atravessados por opressões não só de gênero, como de raça, classe, sexualidade e território.
Pesquisas indicam que óbitos por abortamento representam uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil. A maior frequência de desfecho negativo entre mulheres negras e pertencentes a regiões mais empobrecidas do país, reforça a necessidade de atentar para as iniquidades sócio-raciais que marcam o acesso ao abortamento, bem como para a importância de considerar o abortamento legal e seguro como uma questão urgente de saúde pública.
As taxas de mortalidade são apenas a ponta de um iceberg: o número de curetagens pós-abortamento realizadas na rede pública de saúde representa o segundo procedimento obstétrico mais realizado no país, antecedido apenas pelos partos normais, aspecto que aponta para a magnitude do problema.
No Brasil, o aborto legal exige uma verdadeira peregrinação das mulheres, às vezes de meses, até que consigam efetivar seu direito. A normativa publicada em junho de 2022 é um imenso retrocesso na área da saúde pública e institucionaliza o desrespeito a direitos fundamentais das meninas e das mulheres. As entidades que subscrevem este documento se posicionam, portanto, em defesa do acesso à saúde com equidade e da atenção humanizada ao abortamento.
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Assinam este documento:
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (ABEFACO)