(Folha de S.Paulo) Mulheres em posições de poder na América Latina conseguem avanços importantes, como nos direitos dos homossexuais, mas não têm sucesso na descriminalização do aborto. É o que mostra artigo do jornal The New York Times, assinado pela jornalista argentina Matilde Sánchez, editora do “Clarín”, para quem a vitória de Dilma Rousseff coloca a América Latina na linha de frente da representação feminina na política, mas isso ainda não garante conquistas dos direitos das mulheres.
“A eleição de Dilma Rousseff como presidente do Brasil gerou uma onda de euforia e colocou a América Latina na linha de frente da representação feminina na política mundial. A onda de mulheres eleitas presidentes vem, na verdade, dos anos 1990: Nicarágua, Chile e Panamá, aos quais se somaram na década seguinte Costa Rica, Chile, Argentina e agora o Brasil. Otimistas dizem que tal ascensão demonstra que as mulheres romperam o ‘teto de vidro’ nesta região, onde o machismo ainda é disseminado.”
Recente pesquisa encomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que o Equador lidera, em termos de participação feminina no Parlamento, com mais de 25%, seguido de perto por Costa Rica, Argentina e Peru. No entanto, a ascensão das mulheres não se reflete em todos os setores da sociedade. Embora representem 53% da força de trabalho na América Latina, segundo o BID, poucas ocupam os altos escalões nas empresas e nas finanças, e os salários ainda são bem inferiores aos dos homens.
Matilde Sanchéz aponta que, em outros campos que afetam o bem-estar feminino, como gravidez na adolescência e violência doméstica, a América Latina também está bem atrás. “Uma das questões complicadas que os argentinos ouvem dos turistas que visitam Buenos Aires é por que o aborto só é legal para deficientes vítimas de abusos sexuais ou em gestações de alto risco, se a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a permitir casamentos homossexuais. O casamento gay foi aprovado em 2010, e exatos seis países da região se preparam para seguir o exemplo. Já a Cidade do México descriminalizou o aborto em 2007. No final de 2008, o então presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, vetou uma lei sobre aborto que havia sido aprovada no Congresso.
Em agosto do ano passado, a Human Rights Watch relatou proporções alarmantes de abortos na Argentina: 4 em cada 10 gestações no país eram interrompidas, uma das maiores taxas na América do Sul, apesar de um novo programa governamental que oferece acesso gratuito ao controle de natalidade. Segundo as pesquisas mais recentes da Human Rights Watch, em média 20% de todas as gestações na América Latina terminam em aborto -dos quais 4,5 milhões são feitos ilegalmente, e a gestante morre em 21% desses casos.
A jornalista argentina lembra que algumas presidentes tentaram liberalizar suas políticas de gênero, mas isso fez delas alvos políticos. “No Chile, Michelle Bachelet enfrentou forte oposição em seus esforços para oferecer gratuitamente a pílula do dia seguinte. Acabou tendo sucesso, em 2009, após quatro anos de luta. No Brasil, Dilma retirou suas declarações em favor do casamento homossexual e da descriminalização do aborto após sofrer duras críticas dos bispos e do papa Bento 16.”
Nem sempre é possível contar com as líderes femininas na busca por políticas para as mulheres, disse Marta Lamas, antropóloga da Universidade Nacional Autônoma do México, que analisa que os governos esquerdistas na região relutam em se voltar contra forças poderosas. “A Igreja Católica transformou sua luta contra o aborto em sua doutrina e bandeira, enquanto está claramente perdendo a batalha contra a homossexualidade.”
“O latino-americano pode estar preparado para ver suas mães como chefes de Estado, mas ainda não está pronto para vê-las como parceiras em pé de igualdade”, escreve a jornalista.
Acesse o artigo na íntegra: Lei de quotas não garante uma agenda feminista, por Matilde Sanchéz (Folha de S.Paulo – 07/02/2011)