(Folha de S.Paulo) O jornalista Elio Gaspari escreve em sua coluna:
“O tema do aborto tornou-se um encosto na vida do governador Sérgio Cabral. Durante sua campanha pela Prefeitura do Rio, em 1996, ele chamou de ‘leviano’ seu adversário porque propusera a legalização do aborto.
Em 2007 mudou de opinião, com o pior argumento possível: ‘Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa, Tijuca, Meier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal.’ O número médio de filhos nas favelas (2,6) estava no padrão Brasil, 2,1.
Ele voltou ao tema: ‘Quem aqui não teve uma namoradinha que teve que abortar?’ Como se a gravidez da ‘namoradinha’ fosse um problema só dela, produzido pelo seu organismo, semelhante a espinhas no rosto.
A Corte da Comunidade Europeia acabou de decidir que a Irlanda violou os direitos humanos de uma mulher que queria interromper a gravidez porque estava se recuperando de um câncer e poderia estimular uma recidiva da doença.
Pela lei brasileira, ela dificilmente poderia abortar por conta da perspectiva de risco. Num debate alimentado com argumentos semelhantes aos de Cabral (ou dos tucanos da campanha eleitoral), Pindorama arrisca um tricampeonato: tendo sido um dos últimos países a abolir a escravidão e a instituir o divórcio, será também um dos últimos a tratar o aborto como um direito da mulher livre das normas impostas por opções religiosas.”