(Débora Zampier, da Agência Brasil) Um dos casos mais polêmicos sob os cuidados do Supremo Tribunal Federal (STF), a ação que pede a descriminalização do aborto de anencéfalos, já tem data marcada para ser analisada em plenário: 11 de abril. A ação chegou à Corte em 2004, e o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, estava pronto desde março do ano passado.
O STF foi provocado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que defende o aborto nos casos em que o feto tem má-formação no cérebro e já nascerá morto. Como o STF demorou mais de oito anos para analisar a questão, valem apenas as decisões judiciais obtidas caso a caso, como uma situação recente que ocorreu em São Paulo.
A CNTS alega que a criminalização do aborto de anencéfalos ofende a dignidade da mãe, que também corre risco de morrer com a gravidez. Estudos anexados ao processo alegam que a má-formação letal no cérebro pode ser detectada com 100% de certeza durante a gravidez, inclusive pela rede pública de saúde.
Devido à reação de setores religiosos e de entidades em defesa da vida, que acreditam que o feto já é um ser humano e que o aborto é semelhante ao assassinato, o STF promoveu uma série de audiências públicas sobre o assunto em 2008. No entanto, a indefinição judicial sobre o assunto levou a comissão de juristas do novo Código de Processo Penal a cogitarem a inclusão da descriminalização do aborto por anencefalia no projeto que tramita no Congresso Nacional.
O processo deverá ser um dos últimos temas de grande repercussão julgados pelo STF na gestão de Cezar Peluso. Ele deixa a presidência do STF no dia 19 de abril, quando assume o ministro Carlos Ayres Britto.
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Acesse em pdf: STF marca para 11 de abril julgamento sobre aborto de anencéfalos (Agência Brasil – 23/03/2012)
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‘O advogado da CNTS, Luís Roberto Barroso, defende que, nestes casos, não se pode sequer tratar a interrupção da gestação como aborto, já que não há a expectativa de vida do feto após o nascimento. De acordo com ele, trata-se de uma antecipação terapêutica do parto, como descreve em memorial entregue ao ministro Marco Aurélio.
Por ser uma questão controversa, o STF fez audiência pública em agosto de 2008 para debater o tema. A audiência reuniu representantes do governo, especialistas em genética, entidades religiosas e da sociedade civil. Durante quatro dias de discussões, defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos apresentaram seus argumentos e opiniões, assim como aqueles que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro.
Foram ouvidos representantes de 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros, cujos argumentos servem de subsídio para a análise do caso por parte dos ministros do STF. Nos quatro dias em que foram feitas as audiências, a sociedade se fez representar por 22 instituições, cujo critério de seleção, em sua maioria, foi o pedido de ingresso como amicus curiae . Em relação à pretensão da ação, o estudo das instituições participantes revela que cerca de 60% se manifestaram a favor e 30% contra, com o Poder Legislativo apresentando argumentos nos dois sentidos. Durante a audiência pública, em diversos momentos o ministro Marco Aurélio buscou deixar claro que o objetivo do procedimento não era o debate, evitando o contraditório.
Na audiência pública, o advogado Luís Roberto Barroso reforçou a tese de que não se pode tratar como aborto a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. “O aborto pressupõe uma potencialidade de vida, o que não é o caso [ de fetos anencéfalos ]”, afirmou na ocasião, repisando um de seus principais argumentos.
Em julho de 2004, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar permitindo a interrupção da gravidez nos casos em que o feto não tem cérebro ou tem má formação cerebral grave. A liminar, contudo, foi derrubada pelo Plenário do Supremo poucos meses depois.
Enquanto o Supremo não decide a questão, juízes de primeira instância têm enfrentado os casos e, muitas vezes, permitindo a interrupção da gravidez. Em setembro do ano passado, por exemplo, o juiz da 1ª Vara do Júri do Rio Grande do Sul, Leandro Raul Klippel, autorizou uma mãe a interromper a gravidez. Na decisão, do dia 26 de setembro, ele afirmou que, embora o assunto seja polêmico, “não são os presentes autos o foro adequado para discussões religiosas, éticas ou morais acerca de tal tema, devendo ser levado em consideração apenas aspectos médico-científicos e jurídicos”.
Baseado em exames e atestados médicos, o juiz concluiu que é certa a morte do feto após o nascimento, “bem como a intervenção se faz necessária a fim de preservar a saúde física e psicológica da gestante”. A decisão foi baseada em exames que indicaram que o feto tem má formação do crânio e defeito de fechamento da parede abdominal, deixando expostos o fígado e partes do intestino e do coração.
Na avaliação do juiz, não se pode falar em aborto (tipificado como crime pelo Código Penal), pois esse pressupõe a presença de feto com viabilidade de vida. “Parece lógico que o legislador pretendeu reprimir a interrupção da gravidez (…) que tenha efetivamente potencial para gerar vida, assim considerada a existência autônoma de um ser independentemente daquele que lhe deu origem, no caso, a mãe”.
Em outro caso noticiado pela revista Consultor Jurídico , o juiz José Pedro de Oliveira Eckert, da 2ª Vara Criminal e Infância e Juventude de Alvorada, na Grande Porto Alegre, autorizou a interrupção de gestação de feto sem calota craniana. Para o juiz gaúcho, como não havia possibilidade de vida fora do útero para o feto, deve-se preservar a saúde da gestante, inclusive a psíquica.
Já neste mês, os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, por unanimidade, garantiram a uma jovem de 25 anos, grávida de um feto portador de anencefalia, o direito de interromper sua gravidez. A Câmara acompanhou voto do relator, desembargador José Muiños Piñeiro Filho, para quem a questão não é apenas de ordem jurídica; trata-se antes de tudo de um problema de saúde pública.
Muiños fez críticas à omissão estatal em tornar efetivo o direito social à saúde, garantido pela Constituição Federal, e alertou que as reiteradas negativas de autorização para a interrupção da gestação ou a demora do Judiciário em analisar os pedidos podem culminar com a realização do procedimento em clínicas clandestinas, resultando em alta taxa de mortalidade materna.
Segundo o desembargador, não é possível se omitir diante de problema grave como o da jovem grávida. “O Estado brasileiro destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, exatamente como disposto no Preâmbulo da Constituição, não pode se acovardar e, mais uma vez, se omitir diante de tal realidade”, disse.
Acesse na íntegra em pdf: STF julga interrupção de gravidez de feto anencéfalo em abril (R7 Notícias – 23/03/2012)