(Anistia Internacional) Descriminalizar o aborto na região é um compromisso com a vida. Os próprios Estados da América Latina e Caribe reconheceram recentemente que a criminalização do aborto provoca o aumento da mortalidade e da morbidade maternas e não diminui o número de abortos. Ameaçar com prisão a mulheres, jovens e adolescentes que decidem interromper sua gravidez não faz elas mudarem de idéia, mas as impulsionam a realizar abortos clandestinos, que na maioria dos casos são inseguros e colocam em risco sua vida e saúde.
Descriminalizar o aborto é um imperativo de igualdade. Diferentes organizações internacionais comprovaram empiricamente que mulheres indígenas, afrodescendentes, que vivem na pobreza ou que têm baixa escolaridade estão desproporcionalmente representadas nestas mulheres que morrem ou sofrem problemas de saúde por causa de abortos inseguros. Na região mais desigual do mundo, esse é um dado importante.
Definitivamente, descriminalizar o aborto na América Latina e Caribe é um imperativo de direitos humanos. Os padrões internacionais de direitos humanos são claros em afirmar que os Estados têm a obrigação de proteger os direitos à vida, à integridade física, à autonomia e à igualdade de mulheres, jovens e adolescentes. Para cumprir com essa obrigação, os Estados devem fornecer todas as ferramentas necessárias para que mulheres, jovens e adolescentes possam evitar a gravidez indesejada. As mulheres têm o direito a decidir se querem ser mães ou não, e quando querem sê-lo. Os Estados não podem obrigar alguém realizar um aborto, assim como não podem ameaçar com prisão ou outras penas a quem opte por ele, o que seria colocar em risco seus direitos.
A Anistia Internacional promove e defende o direito à liberdade de pensamento, de consciencia e de religião. Aqueles que acreditam por convicções morais, religiosas ou filosóficas que interromper uma gravidez é terminar com uma vida têm direito a pensar dessa forma e viver de acordo com suas crenças. Sem embargo, os Estados não podem impor uma só ideia e pensamento a todas as pessoas por meio de seu sistema penal, e muito menos criminalizar aqueles que discordam dessa noção.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em caso que abordou a interpretação do direito à vida, estabeleceu claramente que como não há consenso sobre o início da vida humana, os Estados devem permitir diferentes e por vezes contraditórias opiniões a respeito de sua jurisdição, esclarecendo que as concepções morais ou religiosas que consideram que um óvulo fecundado é uma vida humana “não podem justificar que se outorgue prevalência legal a essa ideia, porque isso significaria impor um tipo de crença específica a outras pessoas que não a compartilham”[1]
Este 28 de setembro, Dia Internacional pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe, é diferente. Há pouco mais de um mês os governos da região assinaram um histórico acordo com fortes consequências para suas obrigações em matéria de direitos humanos e que se for cumprido salvará milhares de mulheres. No Consenso de Montevidéu, os governos de 38 países da América Latina e Caribe acordaram, entre outras coisas, “prevenir e evitar o aborto inseguro, com medidas que incluem a educação em saúde sexual e saúde reprodutiva, o acesso a métodos anticoncepcionais modernos e eficazes e o assessoramento e atenção integral frente à gravidez não desejada e não aceita”. No mesmo sentido, instaram os Estados a considerar “modificar as leis, normativas, estratégias e políticas públicas sobre a interrupção voluntária da gravidez para salvaguardar a vida e a saúde de mulheres e adolescentes”. Este acordo histórico foi assinado na capital uruguaia, país que descriminalizou o aborto em outubro de 2012.
Não existe justificativa no direito internacional dos direitos humanos para ameaçar com prisão a quem interrompa uma gravidez não desejada, nem para obrigar uma mulher ou menina a seguir adiante com ela.
Neste 28 de setembro, a Anistia Internacional faz um chamado enérgico às/aos líderes de todos os países da região para que demonstrem seu compromisso com os direitos humanos com quatro estratégias concretas:
-Garantam educação sexual de qualidade para que meninas, meninos e adolescentes possam decidir.
-Assegurem o acesso não discriminatório aos métodos anticoncepcionais modernos;
-Descriminalizem o aborto e garantam que qualquer mulher ou menina que sofreu complicações decorrentes de aborto (tenha sido ele legal ou não) tenha acesso aos serviços médicos.
-Garantam serviços de aborto a qualquer mulher ou menina que foi vítima de estupro, agressão sexual ou incesto, ou se a gravidez coloca em risco a sua vida ou saúde.
Descriminalizar o aborto na América Latina e no Caribe é um compromisso com os direitos humanos.
[1] Caso Artavia Murillo e Outros (Fecundação in vitro) vs Costa Rica, Sentença 28 nov. 2012).