(Maria José Rosado, para o Blog do Noblat) A questão da possibilidade de que as mulheres brasileiras possam interromper um processo gestacional em caso comprovado de anencefalia tem suscitado intenso debate na sociedade.
Muitos dos argumentos contrários à liberdade de decisão das mulheres no campo reprodutivo, embora se apresentem como oriundos de um campo laico, científico, são, na verdade, a expressão de uma doutrina e de uma moral religiosa.
Ainda que se reconheça a forte impregnação religiosa da cultura em nosso país, o Estado brasileiro é laico e as leis devem refletir essa laicidade. Não se pode impor a toda a sociedade, cada dia mais diversa em suas adesões religiosas, a agenda moral de uma religião, traduzindo-a em leis e políticas destinadas a todas as cidadãs e cidadãos. Seria um desrespeito à própria Constituição.
Atualmente, o que acontece no caso de gestação anencefálica é que aquelas que decidem manter a gravidez, mesmo sabendo que geram um natimorto, têm sua decisão respeitada.
Mas as mulheres que não desejam manter essa gestação tem seus direitos negados e são feridas em sua dignidade. Essa é uma situação antidemocrática e eticamente inaceitável.
Pesquisas de opinião tem mostrado que mesmo as pessoas católicas consideram que as mulheres devem ter o direito de escolher interromper a gestação nestes casos. E muitas pessoas pensam que a legislação brasileira vigente o permite, expressando um consenso ético na sociedade sobre a validade moral de uma tal legislação.
Há ainda uma questão de justiça social a ser considerada. Para mulheres pobres, negras em sua maioria, a legalidade do procedimento é condição de possibilidade da realização do abortamento sem que suas vidas sejam colocadas em risco.
Finalmente, as palavras de T.P., moradora do estado do Rio, são a mais eloqüente expressão de que permitir o abortamento nos casos comprovados de anencefalia, constitui-se em uma medida de compaixão atitude tipicamente evangélica em face do sofrimento que significa tal situação para as mulheres e para os homens e famílias que a vivem:
O que eu quero dizer ao Supremo Tribunal Federal é que nunca, enquanto eu viver, vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar. E o que eu quero respeitosamente pedir é que a ministra e os ministros pensem nisso quando forem decidir sobre o destino de todas as mulheres deste país que tiveram a infelicidade de ter dentro do útero um feto condenado à morte. Não escolhemos essa tragédia, mas gostaríamos de ter o direito de não prolongá-la.
Maria José Rosado é socióloga, Coordenadora Geral de Católicas pelo Direito de Decidir Brasil.
Acesse em pdf: Anencefalia: o direito de interromper uma tragédia, por Maria José Rosado (Blog do Noblat – 11/04/2012)