Uma ação de descriminalização do aborto chegou ao Supremo Tribunal Federal. O caso foi proposto pelo PSOL, em parceria com a organização não-governamental Anis, e pede que o aborto seja descriminalizado nas primeiras doze semanas.
(Carta Capital, 07/03/2017 – acesse no site de origem)
Haverá quem diga ser o momento inadequado pela crise política do País. De minha parte, não tenho dúvidas de que às vésperas da greve mundial das mulheres não há melhor data. Acreditamos que se o movimento global é mesmo “nem uma menos”, na pauta brasileira o direito ao aborto deve ser tema prioritário. Nem uma mulher mais deve ter medo, adoecer ou morrer por aborto.
Mas por que agora uma ação de aborto? Há várias razões, mas duas mostram a urgência.
A primeira é a pertinência de se enfrentar a questão do aborto na suprema corte. O tema já bateu à porta do STF de diferentes maneiras na última década – anencefalia, células tronco, epidemia de zika, clínica ilegal de aborto. Em todos os casos, a corte se mostrou firme no reconhecimento dos direitos das mulheres. Falou-se em dignidade, vida, saúde, estar livre de tortura.
Se antes foram casos específicos, o STF poderá agora se pronunciar sobre a vida de milhares de mulheres – só em 2015, foram mais de meio milhão de mulheres a fazer um aborto no Brasil. Elas são mulheres comuns, mas quanto maior a vulnerabilidade social maiores os riscos associados ao aborto. É quase uma mulher por minuto no Brasil em situação de risco pela ilegalidade do aborto.
A segunda razão é a coragem de um partido político em apresentar uma ação de aborto ao STF. O PSOL sabe que há riscos, o de perder votos em um momento de onda conservadora é o mais preocupante. Mas também sabe que a democracia se move pelo diálogo entre os poderes: se sua principal atuação é no Congresso Nacional e nos movimentos sociais, o partido não ignora ser dever das cortes a garantia dos diretos fundamentais.
A criminalização do aborto viola a dignidade e a cidadania das mulheres. O STF tem em mãos a oportunidade de corrigir uma grave injustiça histórica. Neste 8 de março é verdadeiramente “nem uma a menos” – as mulheres não podem mais ter medo, serem ameaçadas de prisão ou, tristemente, morrerem pela ilegalidade do aborto no Brasil.
Debora Diniz é pesquisadora na Anis – Instituto de Bioética e integrante da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas, do Ministério da Saúde. É autora de ‘Zika – Do Sertão Nordestino à Ameaça Global’ (Civilização Brasileira)