Outra Saúde conheceu, em Uberlândia, o Nuavidas, centro de atendimento que realiza procedimento legal com dignidade, para pacientes de todo o Brasil – também por telessaúde. Sua coordenadora sustenta: o tempo das trevas pode estar passando
Embora o Brasil esteja passos atrás na luta pela garantia ampla ao direito ao aborto em relação a vizinhos como Argentina, Uruguai e Colômbia, algo parece estar se transformando lentamente. Essa é a sensação que se tem ao visitar o Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. No ambulatório de ginecologia e obstetrícia da instituição, funciona o Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual, o Nuavidas. Ali, crianças e adultos recebem acompanhamento multidisciplinar após sofrerem violência sexual – e, caso tenham engravidado, podem escolher abortar com segurança e cuidado.
Não é algo comum no Brasil, embora esse direito esteja previsto em lei desde 1940. Segundo relatório publicado em junho de 2019 pela organização de direitos humanos Artigo 19, apenas 76 hospitais listados no ministério da Saúde e no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) realizam o procedimento. E até há apenas alguns anos atrás, o HC de Uberlândia também estava fora dessa lista. É o que conta a médica Helena Paro, uma das responsáveis para que essa transformação começasse a acontecer – e também alvo de ataques da ultradireita que buscam impedir seu trabalho. A história de Helena e do Nuavidas será tema de reportagem em vídeo que está sendo produzida pelo Outra Saúde para o Movimento pela Saúde dos Povos, rede global de organizações, e deve ser lançada em julho.
Ao tecer o fio dessa história, Helena faz questão de mencionar algumas das mulheres importantes em sua trajetória, para que o direito ao aborto legal pudesse ser garantido com dignidade no HC da UFU. A primeira delas foi uma universitária que, grávida após ter sido estuprada por seu primo, recorreu a uma Unidade Básica de Saúde e ouviu que só poderia interromper a gestação caso fizesse um boletim de ocorrência – algo fora de cogitação para ela, que buscava proteger sua família. Ao ser atendida por Helena, descobriu que essa informação estava equivocada. A médica sabia que o HC, onde já trabalhava, não fazia esse procedimento – os profissionais alegavam “objeção de consciência”, algo bastante comum pelo Brasil. Mas decidiu lutar até o fim pelo direito da estudante. O Ministério Público Federal cumpriu seu papel, e Helena pode realizar o primeiro aborto previsto em lei daquele hospital, o começo de uma grande transformação.