Qual o alcance da decisão do Supremo sobre o aborto até 3 meses de gravidez

30 de novembro, 2016

Ministros decidem, no julgamento de um caso específico, que interromper gestação nesse período não é crime. Câmara cria comissão para debater o tema

(Nexo, 30/11/2016 – acesse no site de origem)

Por decisão da maioria, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal considerou na terça-feira (29) que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Não se trata, no entanto, de uma decisão que valha para todos os casos no Brasil. Ela tem efeito imediato em um caso específico.

Trata-se do processo contra cinco funcionários, incluindo médicos, de uma clínica clandestina de aborto da cidade de Xerém, no Rio de Janeiro. Eles foram presos em 2013 quando a clínica foi fechada pela polícia. Foram soltos por um período e voltaram à prisão após nova decisão judicial. Agora, estão livres por determinação do Supremo.

Segundo o Código Penal brasileiro, uma mulher que aborta está sujeita a ser punida com 1 a 3 anos de prisão, e o médico que realiza o aborto pode ficar preso por até 4 anos.

Atualmente, a prática do aborto é permitida apenas caso haja risco de vida para a mulher, caso a gravidez seja resultado de um estupro ou no caso de fetos anencéfalos – condição que inviabiliza a vida do bebê.

O Supremo, na prática, colocou em xeque a legislação atual. Para os ministros, essa legislação viola direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Eles abriram, dessa forma, um importante precedente para decisões judiciais futuras, tanto da própria Corte quanto de outras instâncias.

A reação do Congresso

A manifestação dos ministros sobre o aborto foi criticada por diversos membros da Câmara dos Deputados. “Revogar o Código Penal, como foi feito, é verdade, num caso concreto, trata-se de um grande atentado ao Estado de direito. O aborto é um crime abominável porque ceifa a vida de um inocente”, afirmou o deputado Evandro Gussi (SP), líder do Partido Verde.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encarou a decisão como uma nova interferência em um assunto que deveria ser do Legislativo. Ele anunciou na madrugada de quarta-feira (30) que instalará uma comissão especial que pode criar medidas contrárias à decisão sobre o aborto.

A comissão deve analisar um outro assunto: uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que trata sobre licença-maternidade no caso de bebês prematuros. Segundo informações do portal G1, os deputados pretendem deixar claro no texto da emenda que o aborto deve ser considerado crime em qualquer período da gestação.

O grupo será composto por 34 membros titulares e 34 suplentes. Maia afirmou que pretende fazer com que a comissão aprove um parecer em até 11 sessões e o encaminhe para votação em plenário.

Entenda a decisão do Supremo

DIREITOS REPRODUTIVOS

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, cujo voto foi acompanhado pela maioria dos ministros, da primeira turma do STF, a criminalização do aborto até o terceiro mês de gravidez viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher.

O Estado não pode obrigá-las a manter uma gestação indesejada. “[A criminalização também viola] a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.”

PROPORCIONALIDADE

De acordo com a decisão, a tipificação do crime de aborto até três meses de gravidez também contraria o princípio da proporcionalidade. Isso porque a mulher é levada a realiza o procedimento de forma ilegal e insegura, o aborto continua ocorrendo e o feto não é protegido na prática. Ou seja, é desproporcional porque gera dano a mulheres sem que atinja seu objetivo.

Segundo os ministros, há alternativas mais eficazes e menos lesivas para que o Estado evite a ocorrência de abortos, como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas que “se encontra em condições adversas”

ALTERNATIVAS

Os ministros também afirmam que é necessário buscar alternativas à criminalização no que se refere à proteção do feto. Eles citam o modelo alemão, em que o aborto é descriminalizado até o primeiro trimestre, mas a grávida passa por consulta de aconselhamento e é instada a refletir por três dias antes de abortar. Além disso, o Estado deveria atuar sobre os fatores que pressionam mulheres abortar. “As duas razões mais comumente invocadas para o aborto são a impossibilidade de custear a criação dos filhos e a drástica mudança na vida da mãe”, diz o texto

Qual é o impacto da medida

A decisão abre uma referência importante para julgamentos sobre aborto. Em entrevista concedida ao Nexo, a advogada Ana Lúcia Keunecke, que milita a favor de direitos das mulheres, afirma que “uma advogada ou defensora tem agora um precedente do STF para defender uma mulher ou médicos criminalizados, argumentando que o aborto não é ilegal”.

Na interpretação de Keunecke, a decisão do Supremo sobre o direito das mulheres à autonomia sobre sua sexualidade e reprodução se soma a diversos tratados internacionais dos quais o país é signatário: Pacto São José da Costa Rica (1969), Cedaw (sigla em inglês para Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, 1979), Convenção de Belém do Pará (1994), e Declaração de Pequim(1995).

A previsão da antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília, é de que a argumentação dos ministros servirá para embasar outras decisões do próprio STF que se relacionam ao tema.

A Corte pode concluir até o final de 2016 o julgamento sobre o direito a abortar para grávidas que tenham contraído o vírus zika ao aborto. O vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti está ligado à síndrome congênita do zika, relacionada a problemas auditivos e visuais, convulsões e dificuldade de digerir. Ela tem como sua expressão mais conhecida a microcefalia, quando o cérebro do feto não cresce dentro do normal.

Nesse caso, a decisão será vinculante e não dirá respeito apenas a um caso específico. Ou seja, terá força de lei e deverá ser obrigatoriamente adotada pelas cortes inferiores.

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