(Folha de S.Paulo) Para economista, baixo crescimento e inflação em alta comprometerão meta do governo de combate à miséria. Sônia Rocha afirma que só transferência direta de renda pode impedir pior resultado na área social desde 2003
Para a economista Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e especialista em programas sociais, o baixo crescimento e a inflação maior frearam a redução da pobreza, algo que não se via desde 2003, primeiro ano do governo Lula.
O mercado de trabalho, diz ela, parou, com renda e emprego estagnados. Para compensar, as transferências de renda devem aumentar.
Rocha se mostra cética em relação à promessa da presidente Dilma Rousseff de zerar a pobreza extrema até o fim de 2014. “Isso não existe. Esquece.”
Na avaliação da economista, a onda de protestos, que teve a inflação como uma de suas bandeiras, não foi fruto da “nova classe média” que emergiu nos últimos anos, mas sim de uma camada mais “articulada” da sociedade.
A seguir trechos da entrevista concedida à Folha:
Folha – A resistência inicial aos programas de transferência de renda foi superada?
Sonia Rocha – A sociedade é permeada pela ideia de que dar dinheiro não é bom, de que o beneficiário não vai saber usar direito. Isso foi se perdendo, mas hoje ainda existe [a resistência]. Somos uma sociedade urbana e moderna de consumo. Por isso, o bem estar depende da renda.
Há quem defenda que o Bolsa Família seja um programa assegurado na Constituição.
[O Bolsa Família] é uma decisão de governo, mas não é uma obrigação legal como o BPC [Benefício de Prestação Continuada, que paga desde 1988 um salário mínimo para deficientes e idosos pobres]. Isso até agora tem sido ótimo. Não ter uma regra permite ajustar o programa, ao contrário do BPC, que precisa de uma emenda constitucional para mudar. Os dois programas estão voltados para os pobres e têm quase a mesma linha de pobreza, mas o problema é que nós temos um arcabouço constitucional.
Com o avanço da renda, O Bolsa Família tende a acabar?
Houve aquele corre-corre [de saques e tumultos em agências da Caixa], mas foi porque eles liberaram os pagamentos antes [da data prevista, o que ocorreu em meio ao boato do fim do programa]. As pessoas sabem que não vai acabar. Veio para ficar. São 14 milhões de benefícios, 22% das famílias brasileiras. Isso nunca vai acabar, independentemente do governo.
Mas pode ser reduzido?
Pode diminuir, isso é esperado e desejável. O que faz diminuir não é o benefício em si. Você aumenta renda e consumo imediato [com o Bolsa Família], mas não muda a estrutura familiar. O que muda a estrutura é a educação e o mercado de trabalho. Essas famílias são disfuncionais, com pouca educação, problemas de saúde e de articulação de seus membros. Então, a maneira de resolver é dando esse dinheiro e cuidando para que as crianças tenham a melhor educação possível. Proteger as crianças é o pulo do gato. Sabemos hoje que as famílias entram, ficam muito tempo [no programa] e só saem quando os filhos crescem e começam a trabalhar.
A inclusão da classe C fomentou os protestos? Essa “nova classe média” foi às ruas?
Quem foi para a rua não foi a classe C e D. Os protestos são mais articulados. Não é a nova classe média. Temos gastos enormes e desperdício em saúde e educação. Não se viu as pessoas pedirem mais recursos. Não falta dinheiro. Ele é mal gasto.
Como a sra. vê a inflação, outro foco dos protestos?
A inflação está alta e o mercado de trabalho parou. A situação para a frente não está bonita. A conjuntura externa está muito adversa. Não temos mais espaço para aumentar o consumo interno. Aliás, passamos muito além do que deveria ter sido feito. O governo toma iniciativas de desoneração de produtos de linha branca e carros para não pressionar a inflação, mas a verdade vai vir à tona. Não se fala mais em meta da inflação, mas no teto. Mas 4,5% [o centro da meta] já é patamar alto. E a gente passou dos 6,5% [o teto]. Estamos numa espiral inflacionária e taxa de juros [em alta], nesse caso, não faz milagre. E a renda e o emprego estagnaram.
Esse cenário pode levar ao aumento da pobreza?
Eu diria que em 2013 a pobreza não deve cair [o que seria o primeiro aumento desde 2003]. Mas vai depender muito do salário mínimo e dos benefícios sociais. Se eles derem uma boa tacada no Bolsa Família, a pobreza pode manter a tendência de queda. É transferência de renda na veia.
E a promessa da presidente Dilma de erradicar a pobreza extrema até 2014?
Isso não existe. Esquece. As pessoas entram e saem da pobreza. Acontece de famílias não terem nenhuma renda num mês porque o chefe deixou de trabalhar, mas têm reservas. É uma questão estatística.
Acesse em pdf: Dilma não erradicará a pobreza extrema até 2014, diz especialista (Folha de S.Paulo – 07/07/2013)