A Ministra Carmem Lúcia e a lição básica de como o machismo está entranhado na vida social, por Débora Diniz

15 de setembro, 2016

“Há, sim, discriminação contra as mulheres”. Quem disse isso? A Ministra Cármen Lúcia no primeiro dia como presidente do Supremo Tribunal Federal. A discussão era sobre a validade de uma norma de descanso de 15 minutos para as mulheres antes das horas extras no trabalho. Para alguns ministros, entre eles o Ministro Gilmar Mendes, a concessão dos minutos extras de descanso podem ser considerados um privilégio injusto contra homens: basta ver que as mulheres já pilotam aviões, dirigem tratores ou são policiais. A lista de profissões foi exatamente esta, quase um retorno aos sonhos infantis de meninos do século passado: “quero sem bombeiro, policial ou piloto de avião”. Não havia carrinhos ou aviões nas mesas dos ministros, mas discursos falidos de homens sábios e sem imaginação sobre como se move a discriminação sexual e racial da sociedade brasileira.

(Brasil Post, 15/09/2016 – Acesse no site de origem)

Outro ministro, mais gentil nos modos, mas em igual deslize de masculinidade, lembrou que até mesmo presidente do Supremo Tribunal Federal as mulheres poderiam se tornar. Ministra Cármen Lúcia não se intimidou: “A simples referência disso já demonstra discriminação. Porque ninguém fala que tinha homem sentado aqui desde 1828”. O “aqui” é a cadeira mais importante da corte suprema do País. Cármen Lúcia está certa, uma lição básica de como a discriminação sexual está entranhada na vida social: o fato de nos lembrarem que podemos ser taxistas, bombeiras ou juízas é um sinal da surpresa que essas posições provocam nos neurônios masculinos.

Leia mais: Segunda mulher a presidir STF luta por direitos femininos e contra violência doméstica (Revista Bem Viver Mulher – 15/09/2016)

Nenhum deles recordou que os 15 minutos extras para o descanso tem uma razão que ainda não se modificou nos duzentos anos de existência da corte suprema – além de hoje estarmos nas profissões dos sonhos infantis dos homens, somos ainda manicures, empregadas domésticas, babás, faxineiras, professoras, donas de casa, cuidadoras. Se entramos na cabine de um avião para pilotar, nunca deixamos também de também pilotar fogões. E, tristemente, entre as mulheres há estratificações raciais perversas: a mulher branca que alcança postos de poder depende da mulher negra na casa como babá de seus filhos, cuidadora de suas roupas ou dieta. A isso se chama discriminação sexual e racial da sociedade brasileira, descrita pela Ministra Cármen Lúcia.

Os ministros não vacilaram nos bons modos por acaso. A presença de uma mulher na cadeira do poder os interpela à masculinidade dos carrinhos e dos aviões de um mundo em que a toga do poder sempre foi privilégio dos homens. Ela, agora, é reservada a uma mulher que se lança com regras claras de cumprimento do horário, de bons modos ou de cortesia da corte. Ministra Cármen Lúcia tomou gosto pelo tema – não se manteve na discussão sobre os 15 minutos como tempo mínimo para a proteção da vida das mulheres no excesso do trabalho, mas falou de si mesma. Definiu-se como tendo “cátedra” na discriminação sexual. É verdade: imagino a árdua batalha que foi para esta mulher ocupar, hoje, a mais importante cadeira das cortes brasileiras.

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