Campanha encabeçada por repórteres esportivas joga luz sobre a questão do assédio e machismo nos estádios e fora deles
(El País, 25/03/2018 – acesse no site de origem)
Em uma cobertura ao vivo de uma partida de futebol, a repórter Bruna Dealtry, do canal Esporte Interativo, foi beijada, à força, por um torcedor. O episódio ocorreu no Rio de Janeiro, no último dia 14, durante a partida entre o Vasco e Universidad do Chile, pela Libertadores. Constrangida, a repórter disse que a atitude “não foi legal”, mas continuou a transmissão. Três dias antes, em Porto Alegre, um torcedor do Inter insultou e agrediu, fisicamente, a repórter Renata Medeiros, da Rádio Gaúcha, que cobria a partida entre Grêmio e Inter. “Sai daqui, sua puta”, disse o torcedor à jornalista.
Esses são apenas dois dos casos mais recentes de assédio e desrespeito que jornalistas mulheres, principalmente – mas não somente – da área esportiva vem sofrendo no ambiente de trabalho. Por isso, uma nova campanha tenta jogar luz sobre este problema e pedir respeito às profissionais. Sob a marca #DeixaElaTrabalhar, um grupo de cerca de 50 jornalistas mulheres de todo o país lançou nesta sexta-feira a campanha e um vídeo com alguns dos relatos sofridos. Comentários violentos e ameaças de estupro de torcedores nos estádios e nas redes sociais estão entre as agressões.
Bibiana Bolson, jornalista da ESPN W e uma das participantes da campanha, explica que o objetivo é chamar a atenção para as agressões que as profissionais sofrem não somente nos estádios. “A ideia é dar uma resposta aos assédios e às situações recentes da Bruna e da Renata, que é também um pouco a história de todas nós, que já fomos assediadas nas redações, nos estádios e sofremos violência nas redes sociais”, diz ela.
Bibiana explica que a campanha, embora tenha surgido de episódios vividos por jornalistas esportivas não se limita somente a esta editoria. “É feita por jornalistas esportivas, mas queremos dar voz para mulheres de todas as esferas”, diz. “É uma maneira de incentivar as mulheres a relatarem os abusos que sofrem, a buscarem seus espaços”, diz. O vídeo, além de ser um pedido para que as jornalistas possam trabalhar em paz, lembra também que o silêncio diante de casos de assédio é parte de um mesmo problema. “A omissão também machuca”, diz uma das jornalistas.
Sabendo disso, alguns clubes começaram a se mexer. Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Atlético-MG entrou em campo para o clássico contra o Cruzeiro com faixas chamando a atenção para a violência contra a mulher e divulgando o serviço de denúncia Ligue 180. Maria da Penha Maia Fernandes, que empresta o nome à lei que criminalizou a violência doméstica e familiar sofrida por mulheres, esteve no gramado do Independência e foi homenageada pelo clube. Nas arquibancadas naquele dia, as torcedoras posaram com cartazes para marcar um território cada vez mais reivindicado por elas: “Meu lugar é aqui”.
Outros times também se mostraram mobilizados na semana da mulher. O Corinthians, por exemplo, jogou contra o Mirassol com a marca #RespeitaAsMinas estampadas no uniforme e entrou em campo junto com as atletas do time feminino. Porém, no resto do ano, esta cortesia com as mulheres nos estádios não entra na jogada.
Jornalistas contra o assédio
Não é a primeira vez que jornalistas mulheres se unem para denunciar os abusos e assédios sofridos na profissão. Em junho de 2016, depois que uma repórter do portal iG foi assediada no meio de uma entrevista coletiva pelo ex-cantor Biel, um grupo de jornalistas mulheres criou a campanha #JornalistasContraOAssédio.
Na época, Biel, que caiu no ostracismo após o episódio, chamou a repórter de 21 anos de “gostosinha” e disse que a “quebraria no meio” se eles tivessem relações sexuais. A jornalista chegou a registrar queixa na Delegacia da Mulher e o iG prometeu que daria todo o apoio à profissional. Mas ela foi dispensada menos de um mês após o caso vir à tona.
Na época, a campanha também reuniu relatos de abusos e assédios sofridos por profissionais no exercício da profissão. Hoje, a campanha se transformou em um coletivo que denuncia, sistematicamente, as diversas formas de assédio.
Marina Rossi