Editorial: Internet civilizada

24 de abril, 2014

(Folha de S.Paulo, 24/04/2014) O Brasil ganha, enfim, sua “Constituição da internet”, como se apelidou o Marco Civil sancionado ontem pela presidente Dilma Rousseff. O texto final tem mais qualidades que defeitos, o que chega a surpreender, tendo em vista que resulta de três anos de procrastinação, na Câmara, seguidos de muito açodamento, no Senado.

A analogia constitucional é apropriada, uma vez que a nova lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres no ambiente virtual válidos para usuários, provedores e agentes públicos. São três seus pilares: neutralidade de rede, privacidade e segurança de dados.

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No primeiro deles, prevaleceu o bom senso e o interesse coletivo dos mais de 100 milhões de usuários da rede no Brasil. Os provedores de acesso podem oferecer pacotes de serviços diferenciados (no preço e na velocidade do tráfego de dados), mas não discriminar o tipo de aplicação ou conteúdo acessado nem, com base nisso, tornar a conexão mais lenta ou mais rápida.

Em outras palavras, a rede deve ser neutra para o que nela trafega. O fornecedor do serviço não pode degradar a conexão se o cliente estiver baixando ou assistindo um vídeo, por exemplo.

O conflito tradicional entre os direitos individuais –como honra e reputação– e as liberdades civis de expressão e informação recebeu no texto a clássica abordagem liberal: um site só estará obrigado a retirar conteúdo do ar por força de decisão judicial.

O provedor da aplicação (como uma rede social) será responsabilizado apenas se deixar de cumprir a ordem do juiz. Ou então se, após notificado, não tirar da rede material divulgado sem autorização, por terceiros, que violem a intimidade de outrem (como imagens de nudez ou atividade sexual).

Por fim, o Marco Civil estipula regras para o armazenamento de dados de conexão por provedores pelo prazo de um ano, assim como sua inviolabilidade. O acesso a esses registros por “autoridades administrativas” –para a investigação de ilícitos, por exemplo– também depende de decisão judicial.

Esse foi, de resto, um dos poucos pontos que suscitou debate no Senado. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) propôs que a lei especificasse quais autoridades (policiais e do Ministério Público) teriam poder de requisitar informações pessoais, mas foi derrotado.

Uma emenda como essa no texto, de conteúdo e não só de redação, forçaria sua devolução para novo escrutínio na Câmara. O adiamento prejudicaria a conveniência política da presidente Dilma Rousseff, que queria sancionar o Marco Civil em tempo para o evento NETMundial, ontem, em São Paulo.

O Senado Federal aquiesceu e lhe fez a mesura precipitada. Talvez tenha parecido aos senadores uma concessão barata, mas para a opinião pública fica evidente que a instituição, mais uma vez, abdicou de seu papel de Casa revisora.

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