Denúncias contra grandes nomes só agora estão sendo levadas em consideração
(O Globo, 02/11/2017 – acesse no site de origem)
No início de outubro, quando atrizes de peso, como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow, vieram a público denunciar episódios de assédio cometidos por Harvey Weinstein, um dos maiores magnatas do cinema, muitos pensavam que isso não daria em nada. Desde então, mais de 60 mulheres narraram suas histórias de abuso envolvendo o produtor nos últimos 40 anos. Mas não ficou por aí. Outros figurões do cinema e da TV entraram na berlinda: os cineastas Lars von Trier e Brett Ratner, e os atores Kevin Spacey e Dustin Hoffman, entre outros, vêm sendo expostos por condutas no passado, numa onda que parece não ter fim. E novos casos e nomes pipocam nos sites de notícias, dia após dia, num movimento sem precedentes na indústria do entretenimento. Esse efeito cascata em situações do tipo não é incomum.
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— Quando uma poderosa vem a público e sua denúncia é acolhida, como foi o caso de Angelina e Gwyneth, outras vítimas percebem que não estão sozinhas. Não é questão apenas de solidariedade, isso deflagra um processo psíquico e social, em que o efeito cascata é muito comum. É uma espécie de catarse — explica o psicólogo Antônio Carlos de Oliveira, professor do departamento de Serviço Social da PUC-Rio.
O avanço de movimentos sociais também contribuiu para que tantas vítimas se manifestassem.
— Há dez anos, essa mesma pauta, denunciando o Harvey Weinstein, não foi para frente por conta do poder que ele sempre teve. A sociedade ainda não estava preparada para encarar essa questão, a denúncia muito provavelmente não daria em nada — lembra Nana Lima, diretora de projetos do “Think Olga”, responsável por campanhas como #chegadefiufiu e #PrimeiroAssedio, que tomaram conta das redes sociais.
Para Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), da UFMG, o movimento em Hollywood também é derivado de outras campanhas femininas na indústria do entretenimento.
— O que mudou no contexto é que o que era historicamente silenciado veio à tona. Finalmente já não se tolera mais este tipo de atitude. Isso foi precedido pelo Oscar de 2015, quando Patricia Arquette fez um discurso pela maior ocupação feminina dos espaços e melhores condições de trabalho e igualdade salarial, puxando uma discussão enorme, que culminou no que vemos hoje.
As redes sociais ambém servem para dar voz a outras mulheres, que se inspiram nos casos tornados públicos.
— As minorias vêm sendo sistematicamente silenciadas. A internet e as redes sociais fizeram com que essas minorias notassem que, unidas, poderiam ser maioria. As vozes antes excluídas agora estão amplificadas — analisa a antropóloga Carolina Delgado.
Ao surgirem as denúncias contra Brett Ratner, diretor de “X-Men: O confronto final” (2006), seus advogados desacreditaram vítimas como a atriz Olivia Munn, que interpretou a Psylocke no filme.
— Não existe uma mulher que não tenha história de assédio ou abuso. Mas antes isso era tão normalizado, que éramos levadas a ignorar. E como não se falava sobre isso, parecia que não existia — contesta a escritora Clara Averbuck.
Para a doutora em Ciências Sociais Fhoutine Marie, que usa elementos de cultura pop, como a série “Game of thrones”, para discutir política, reações como a dos advogados de Ratner já vêm perdendo espaço.
— A palavra das mulheres sempre foi muito desacreditada. E os homens, como no caso de Quentin Tarantino, que disse que sabia demais sobre o Harvey Weinstein para não ter feito nada, acabavam sendo coniventes. “É um bom profissional/ É meu amigo/ É a palavra de uma contra o outro/ Pode ter sido um mal entendido”, eles diziam. Mas essa pressão toda faz que outros grandes nomes digam que não vão trabalhar mais com esses caras. A própria Netflix suspendeu a produção de “House of cards” após o Kevin Spacey ser acusado de assédio contra um ator que tinha 14 anos na época.
Nana Lima frisa, porém, que o movimento não pode parar por aí.
— O próximo passo é agir para prevenir que esses assédios aconteçam, por meio de educação e denúncia — finaliza Nana.