Vá em frente, #MeToo!, por Soledad Gallego-Díaz

19 de fevereiro, 2018

O importante é que os crimes de estupro e abuso ficam impunes em boa parte do mundo

(El País, 19/02/2018 – acesse no site de origem)

Seria uma excelente notícia se o movimento de reivindicação feminista #MeToo continuasse de pé até a mudança de comportamentos muito difundidos entre a população masculina, que são um abuso contra o princípio democrático da igualdade. E seria muito bom que os homens entendessem isso sem se escandalizarem tanto. O MeToo é um grande avanço democrático, não uma ameaça aos direitos civis. Por que tanta indignação? Alguns excessos podem acontecer? Certamente. Isso é bom? Não. Vamos tentar, juntos, evitá-los. Isso tira o valor do movimento de denúncia de comportamentos abusivos, mantidos em silêncio ou considerados inevitáveis? Absolutamente. Se o movimento MeToo conseguir acabar com esses comportamentos, teremos avançado na luta pelos direitos humanos e a igualdade.

O sensacionalismo consiste em distorcer a realidade, colocando a ênfase não no que é importante, mas em aspectos secundários que podem despertar mais emoções. O importante é que os crimes de estupro e abuso sexual, que a maioria dos homens e mulheres considera repugnantes, ficam, no entanto, impunes em grande parte do mundo, seja porque não são denunciados ou porque o sistema jurídico não lhes dá a devida atenção. O importante é que os sistemas jurídicos, mesmo em países avançados democraticamente, não prestam atenção suficiente ao assédio sexual. Um homem que se masturba na frente de uma funcionária ou aluna, caso seja denunciado e provado, é punido na Espanha com uma multa de 400 euros (cerca de 1.606 reais) se o comportamento for “reiterado”. Um estudo das Nações Unidas feito com mulheres parlamentares de 39 países indica que 82% delas se sentiram assediadas sexualmente ao longo de suas carreiras. Uma em cada quatro mulheres que usam o transporte público em Washington sofre algum tipo de assédio sexual.

Portanto, o fato de que esses casos sejam denunciados e originem uma investigação policial obrigatória seria uma excelente prática democrática que deveria ser universalizada. Nenhum homem foi para a prisão exclusivamente por causa da acusação de uma mulher. São os juízes ou os jurados que mandam os criminosos para a prisão. O medo de que a denúncia de abusos sexuais acabe com a carreira de dezenas, centenas, milhares de homens talentosos e talvez apenas um pouco brutos, vítimas de mulheres ressentidas, é absurdo. Para começar, não há confusão alguma entre abusos e homens pouco sensíveis. Existe também em todo o mundo o crime de falsa denúncia, que na Espanha é punido com até dois anos de prisão. Finalmente, não é coincidência que a grande maioria dos homens denunciados pelo MeToo tenha reconhecido que teve esses comportamentos abusivos. Uma coisa é que estejam prescritos legalmente e outra que se pretenda que não provoquem rejeição social. Com que argumentos?

A exigência de favores sexuais em troca de manter o emprego, ajudar ou não paralisar a carreira profissional, recorrente no mundo do entretenimento, mas também no das empregadas domésticas, como lembrou a escritora Beatriz Sarlo, no escritório ou na universidade, não é, de modo algum, uma forma de prostituição, mas uma coação, que é uma grave violação do princípio democrático da igualdade. Não há violência, alega-se, e as mulheres podem dizer “não”. Acontece que, nesse caso, sacrificam suas carreiras, suas expectativas, sua vocação. Se não fizerem esse sacrifício são simplesmente um pouco putas? Isso é certamente o que muitos homens e até algumas mulheres pensam há séculos. Ousar dizer em uma democracia o que a maioria das pessoas pensa, mas cala, não é um ato de coragem (depende do que essa maioria pensa, não?) nem de exigência diante dos lugares-comuns, mas, precisamente, dar-lhe suporte.

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