(O Globo) Evelyn, de 3 meses, e Valentina, de 1 ano e 4 meses, nasceram em uma mesma unidade da rede pública, no Rio. Por vontade materna, teriam vindo ao mundo naturalmente. Mas, apesar de as duas gestações terem sido de baixo risco, os médicos optaram pela cesariana. Assim como na saúde suplementar, a proporção de partos cirúrgicos no Sistema Único de Saúde (SUS) não para de crescer: passou de 24% em 2000 para 38% em 2011. É um número bem inferior aos 82% registrados nas unidades privadas, mas ainda está distante dos 15% considerados aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Mãe de Evelyn, a jovem Pamela Rafaela, de 20 anos, queria parto normal, como a irmã, mas, segundo ela, o médico disse que não havia “passagem para o bebê”. No caso da jornalista Fernanda Alves, de 29 anos, mãe de Valentina, a justificativa médica para a cesárea foi outra: o bebê estava sentado.
— Quando engravidei, procurei dois médicos da rede privada, e ambos, já na primeira consulta, insistiram que era mais seguro fazer cesárea. Aí procurei o SUS, achando que conseguiria o parto normal. Na hora, quando soube fariam cesárea, nem consegui reagir. Nada foi como eu sonhei. Não permitiram a entrada de acompanhante na sala de cirurgia, e só o anestesista falou comigo. Estava assustada e com frio.
Modelo de assistência ao parto incentiva a cirurgia
Para a pesquisadora Silvana Granado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a cultura da cesárea já está tão arraigada no país — a taxa unindo as redes pública e privada chega a 52% — que este tipo de procedimento é usado em larga escala em partos de baixo risco, apesar dos inúmeros estudos apontando eventuais problemas de saúde que este tipo de procedimento pode causar ao bebê, como os respiratórios. — A cesariana, que deveria ser uma forma de resgatar vidas, no Brasil está diretamente relacionada à comodidade dos profissionais em agendar seus compromissos — diz. Ela considera que uma das razões para o aumento da taxa na rede pública é a disseminação da cesárea pelos profissionais da rede privada que atuam também no SUS.
— Provavelmente, eles estão reproduzindo o mesmo modelo — avalia Silvana, que é uma das coordenadoras de um estudo em curso com 24 mil mulheres em situação de pós-parto, no qual se busca descobrir as razões para a preferência pelas cesáreas.
Presidente da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (ReHuNa), a médica Daphne Rattner concorda. — Você acha que o médico vai ter uma prática na rede privada e outra no SUS? — pergunta, considerando que o crescimento das cesáreas está relacionado a inúmeros outros fatores, sendo um dos principais o modelo intervencionista de assistência ao parto, no qual o médico desempenha o papel principal. — Nos países que conseguiram reduzir a taxa de cesárea, como os europeus, os partos de baixo risco são feitos pela enfermeira obstetra — observa Daphne.
Obstetriz, Ana Cristina Duarte também acha que, para incentivar o parto normal, é preciso mudar o modelo de assistência e disseminar mais informação: — Há hoje, em todas as camadas sociais, a ideia de que parto normal é um dano. E que, se você quiser o melhor, a medicina de ponta, marca a cesárea. Não é só a classe média, não é só o pobre, mas também a classe médica. Tem neurologista que diz que parto normal é sequelante. Há muita desinformação. Se, na hora do parto, o médico diz que tem que fazer cesárea, ela faz.
Coordenadora da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela considera que o aumento de partos cirúrgicos está associado ao maior acesso à tecnologia e ao modelo centrado no médico, que trata o parto como evento hospitalar. — Precisamos de lugares mais acolhedores, onde o parto seja tratado como evento fisiológico. Para isso, o governo federal lançou, em 2011, a Rede Cegonha, presente em 370 unidades do SUS, onde, no ano passado, diz Esther, foram realizados 37% dos partos do sistema público.
Acesse o PDF: Em excesso na rede privada, cesáreas crescem também no SUS (O Globo, 15/07/2013)