(Correio Braziliense) Quando a residente do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) Bárbara de Bilbao, 35 anos, ingressou no curso de medicina, em 2003, a maior parte das cadeiras da classe era ocupada por homens. Quase uma década depois, já no mercado de trabalho, ela vê os corredores do hospital repletos de colegas do sexo feminino. Só na ala de pediatria, onde trabalha, são 27 mulheres e apenas dois homens. O caso não é atípico. De acordo com o Censo 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elas representam 44% dos profissionais da área médica.
“É claro que ainda existem especialidades que os homens dominam, mas, de forma geral, as mulheres têm agregado características importantes, que fazem a diferença no nosso ambiente de trabalho”, afirma Bárbara. Para a médica, no entanto, mesmo que elas já sejam maioria em muitas áreas, ainda existe preconceito por parte de colegas de trabalho e de pacientes, sobretudo naquelas especialidades consideradas mais “brutas”, como a ortopedia. Também residente do Hmib, Ana Catarina Araújo, 28, concorda. “Ainda vemos muitos pacientes que preferem ser atendidos por homens”, conta.
O domínio feminino em profissões bastante demandadas é cada vez mais comum. Nos últimos 10 anos, 13,5 milhões de mulheres entraram no mercado de trabalho, de acordo com o censo. Entre 122 carreiras analisadas, elas já são maioria em 62 delas, a maior parte, nas áreas de saúde e ciências humanas, como educação e psicologia. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) divulgada em 2012, elas representam quase 80% desses profissionais.
Um dos poucos homens entre as quase 30 mulheres do grupo do Hmib, Fernando Deckers, 27, conta que sempre foi minoria. “Comecei a residência em 2011 e, desde então, estou cercado por elas”, diz. Segundo o médico, a rotina diária entre tantas colegas tornou-se um grande aprendizado. “É uma eterna busca por equilíbrio. Elas têm uma forma mais detalhista de lidar com as pessoas, e nós, homens, conseguimos trazer mais objetividade ao ambiente de trabalho”, explica.
A representatividade alcançada por elas não é em vão. Pelo contrário: é fruto de muito esforço. O censo mostra que as mulheres frequentam mais a universidade: em 2010, representavam 57% dos estudantes de nível superior, o que equivale a 3,5 milhões de pessoas. Os dados revelam ainda que elas não só ingressam mais na faculdade, como se formam em maior quantidade.
Apesar de, em ambos os sexos, o número de alunos graduados ser ainda muito pequeno no Brasil (apenas 10,8% dos universitários concluem o curso), elas representam uma realidade mais animadora. Segundo a pesquisa, as mulheres são mais interessadas: 11,9% delas com mais de 25 anos têm nível superior completo contra 9,5% deles (veja ilustração). No total, são 7,8 milhões de pessoas do sexo feminino com os estudos universitários finalizados, o equivalente a 58% dos 13,3 milhões de brasileiros que terminaram a faculdade.
Mais instruídas
Esse processo, segundo Arlene Ricoldi, socióloga e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, é histórico. “As mulheres têm mais escolaridade, em todos os níveis, já faz algum tempo. A virada pode ser observada, gradualmente, nos últimos 20 anos, o que também não deixa de ser parte de uma expansão do ensino superior”, ressalta. Os dados mostram que, no geral, elas têm mais instrução. Enquanto, entre os homens, 50,8% não têm formação (básica ou superior) concluída, entre as mulheres, esse número é de 47,8%.
Em defesa própria, a odontóloga Mayra Gonçalves Chagas, 24, ressalta que, em sua área, algumas características mais comuns às mulheres, como habilidades manuais e perfeccionismo, acabam sendo pontos a favor. “A profissão é cheia de detalhes, e as mulheres tendem a ser mais cuidadosas. Você não vai querer entregar a sua boca para alguém bruto, vai?”, brinca. A odontologia foi dominada por elas, que, hoje, representam quase 60% dos profissionais. Recém-formada, Mayra conta que as estatísticas realmente refletem as salas das universidades. Na turma dela, de 80 alunos, 60 eram do sexo feminino.
Acesse em pdf: Recém-formadas e donas do mercado de trabalho (Correio Braziliense – 15/01/2013)
Leia mais: Acesso às possibilidades é diferente (Correio Braziliense – 13/01/2013)