(Correio Braziliense) Finalmente, foi dado um grande passo para que se fizesse justiça às trabalhadoras domésticas. Quase 70 anos depois da outorga da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), abrimos em 2012 uma nova era com a aprovação, pelo plenário da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 478/10. Ela estende a todos os empregados domésticos outros 16 direitos já assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais. Incluem-se, aí, jornada de 44 horas semanais, recolhimento do FGTS, seguro-desemprego, hora extra, adicional por trabalho noturno, salário-família e auxílio-creche.
Mais do que melhorar as condições de trabalho, a nova legislação elimina uma exclusão injustificável: a de direitos sociais de quem se ocupa dos serviços domésticos remunerados. São pessoas submetidas a regime jurídico desigual em relação aos demais trabalhadores. Embora a Constituição de 1988 tenha começado a romper a invisibilidade e a injustiça ao assegurar mais alguns direitos, o caminho da igualdade permaneceu truncado.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE) 2011, do total de trabalhadores domésticos (6,7 milhões), somente 32% tinha carteira assinada, restando, portanto, dois terços da categoria sem as mínimas garantias do contrato de emprego. Isso, em um quadro em que o avanço da formalização foi de cinco pontos percentuais entre os anos de 2009 e 2011, resultante de uma política explícita do governo federal. A realidade da Justiça do Trabalho ilustra a dramaticidade desses números: pelo menos nas grandes capitais, é significativo o volume de ações reivindicando a declaração do vínculo de emprego.
Além disso, muitas domésticas ainda se encontram em regime semiescravo, não recebendo nem sequer o salário mínimo. Exercem uma profissão marcada por jornadas de trabalho sem controle e sem respeito ao descanso do grande contingente que, ainda por cima, dorme na casa em que trabalha.
Por isso, a PEC nº 478/10 é o começo do fim da legislação restritiva que teimava em permanecer na história do trabalho brasileiro. Permitirá elevar a autoestima dessas profissionais, igualando-as a outras, merecedoras que são de dignidade e reconhecimento jurídico e social.
A expressiva votação de 347 votos favoráveis, dois contra e duas abstenções foi fruto da atuação da bancada feminina na Câmara, personalizada na figura da deputada Benedita da Silva, e representa um passo significativo para que o Brasil possa ratificar a Convenção nº 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Recomendação nº 201, que trata do trabalho decente.
A expectativa agora é de que o Senado aprecie com celeridade o tema, para que em março do ano que vem, no Dia Internacional da Mulher, a PEC já tenha sido promulgada e possamos comemorar esta vitória. É de se destacar, também, o esforço e a mobilização incansável das trabalhadoras domésticas que, há anos, vêm se organizando.
Mas, a perspectiva de ampliação desses direitos impõe ao Estado e à sociedade um olhar mais inclusivo referente aos direitos e ao enfrentamento das responsabilidades sociais; impõe assumir os encargos devidos. Impõe, em nome da democracia e dos direitos da cidadania, abandonar a postura que até agora nega direitos básicos como são os trabalhistas — e que constituem a linha que separa a escravidão do trabalho decente —, sob o argumento menor de que custam encargos.
Assim, que se fortaleça a consciência de que o Estado e a sociedade devem não apenas se preparar, mas, mais do que isso, ansiar e lutar por tempos mais emancipatórios, e, portanto, promover a abolição dessa forma velada — e até agora aceita — de escravidão.
Eleonora Menicucci
Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Acesse em pdf: A libertação das domésticas, por Eleonora Menicucci (Correio Braziliense – 16/12/2012)