17/10/2013 – Para defensores da causa LGBT, projeto revela avanço de ‘fundamentalismo religioso’

17 de outubro, 2013

(O Globo) A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) consideram absurdo o projeto que concede às organizações religiosas o direito de vetar cerimônias e pessoas em desacordo com suas doutrinas, dentro de seus templos e cultos, sem que isso seja considerado crime de preconceito. E alertam que a aprovação da matéria nesta quarta-feira, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que deveria se ocupar das prerrogativas dos cidadãos, independentemente de raça, sexo, cor, crença e orientação sexual, revela o avanço do que qualificam como “fundamentalismo religioso” no Brasil, embora sejamos um Estado laico.

Leia também: Comissão de Direitos Humanos da Câmara aprova projeto que autoriza igrejas a vetar homossexuais (O Estado de S.Paulo)

— É uma política nazista, pois você põe uma “tarja” no povo gay que diz assim: esses aqui não podem nem mesmo adorar a Deus nos nossos templos. É uma segregação absurda. Interfere do direito de ir e vir das pessoas, que é garantido pela Constituição — avalia o reverendo Marcos Retamero, da ICM, fundada em 1968, nos Estados Unidos, e que é conhecida por aceitar todo e qualquer fiel e promover atos em defesa dos direitos das minorias, como o protesto contra o recolhimento, pelo governo federal, de revistas em quadrinho contra a homofobia, que faziam parte do programa oficial sobre DST/Adis e foram recolhidas em março deste ano. Antes disso, em 2011, após pressão da bancada evangélica, a presidente Dilma Rousseff vetou a produção de material didático com a mesma temática.

De autoria de Washington Reis (PMDB-RJ) e relatado por Jair Bolsonaro (PP-RJ), que compartilha de opiniões do presidente da comissão, pastor Marco Feliciano (PSC-SP), o projeto de lei 1.411 é de 2011 e só foi incluído na pauta após o ingresso do evangélico no grupo. Segundo Reis, que também é evangélico, a exclusão faz sentido porque os direitos garantidos às minorias na legislação que combate o preconceito não podem se sobrepor à Constituição. O deputado cita o trecho da Carta de 1988, que diz que a liberdade de crença é inviolável e assegura o livre exercício do cultos, e ressalta que a “prática homossexual” está em desacordo com muitas doutrinas religiosas.

Na opinião do reverendo Marcos, a justificativa dada não se sustenta. E salienta que suas críticas não são aos evangélicos, mas à forma como a bancada atua no Congresso:

— Infelizmente, a Bíblia já foi usada para legitimar a escravidão, a misoginia, as guerras santas, o nazismo e, mais uma vez, ela está sendo usada para segregar e calar, com uma política nazista contra o povo gay. A bancada evangélica tem legitimidade para participar do jogo democrático. O problema não é ser evangélico, mas levar para dentro do Congresso a interpretação “Bíblia sim, Constituição não”, que figura em adesivos espalhados em carros. Isso me preocupa, pois eles fazem o mesmo que os fundamentalistas islâmicos que deturpam o Alcorão. Espero que o Congresso não aprove até porque, fazendo uma brincadeira, cerca de 10% de todas as igrejas vão perder, pois há muitos gays e lésbicas nas igrejas, embora não digam que o são.

O entendimento que prevaleceu na Comissão de Direitos Humanos vai na contramão da opinião do Papa Francisco que, em julho, ao retornar para Roma após a Jornada Mundial da Juventude, no Brasil, foi questionado sobre um suposto “lobby gay no Vaticano” e declarou: “Se uma pessoa é gay e busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. Em setembro, o Pontífice voltou a falar sobre o assunto quando, em entrevista publicada em uma revista católica, afirmou que a Igreja tem o direito de manifestar as suas opiniões, mas não pode interferir espiritualmente nas vidas de gays e lésbicas. Segundo o papa, há religiosos cada vez mais obcecados em pregar sobre o aborto, casamento gay e contracepção.

A população vai fazer pressão, e o projeto será vetado

Presidente da ABGLT, fundada há 18 anos no Brasil, com 285 organizações afiliadas, Carlos Magno Fonseca considera o projeto de lei um ataque à comunidade homossexual. Para ele, a proibição é inconstitucional e, assim como o projeto da cura gay — que permitia tratamento psicológico para reverter a homossexualidade — será rechaçada.

— As organizações religiosas estão baseadas em dogmas, mas não existe nenhuma religião que, claramente, diga que um homossexual não pode frequentar a igreja, pois isso caracteriza, sim, discriminação. O projeto diz que a gente não pode mais ter religião e nem o direito de ir e vir. Mas há igrejas que, inclusive, fazem casamento entre homossexuais. Ou seja, existem organizações religiosas que já trabalham com a perpectiva da inclusão. A população vai fazer pressão, e o projeto vai ser vetado.

Na opinião de Carlos Magno, a aprovação do projeto de lei, além de ser absurda, demonstra um desvio da função da Comissão de Direito Humanos.

— A comissão poderia estar discutindo questões relevantes para o país, mas está sendo usada com o objetivo de atacar as comunidade LGBT. O mandato de Feliciano à frente da comissão é pautado pela perseguição a essas minorias. Não há mais debate, apenas projetos ridículos que buscam afrontar a população LGBT— afirmou, lembrando que, em setembro, Feliciano mandou prender um casal de lésbicas, num lugar público, que estava se beijando durante um culto evangélico em São Sebastião, em São Paulo. Ao microfone, o deputado pediu que os policiais dessem um “jeito nas meninas”, que saíram do local algemadas e foram levadas à delegacia em um camburão.

Júlio Moreira, presidente do Grupo Arco-Íris, que, desde 1993, está engajado na aprovação de leis contra práticas discriminatórias e a defesa dos homossexuais, considera um “retrocesso” a decisão tomada ontem na Comissão de Direitos Humanos. Segundo ele, a proibição avalizada pelos deputados causa ainda mais espécie por ter surgido dentro de uma instância que deveria defender o direito das minorias.

– É excludente e discriminatório. Obviamente que cada religião tem seus dogmas, mas não pode proibir as pessoas de frequentar uma igreja, um culto. E não podemos esquecer que existem várias denominações religiosas que acolhem a diversidade – destaca, considerando que o projeto é “uma jogada política” de Feliciano.

Agora, o projeto segue para a análise da comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Depois, terá de ser votado em plenário para ser aprovado.

Acesse o PDF: Para defensores da causa gay, projeto revela avanço de ‘fundamentalismo religioso’ (O Globo – 17/10/2013)   

 

 

 

 

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